25/07/2009

DISPARATE DE DEMOCRACIA

VASCO SANTANA E OUTROS GRANDES ARTISTAS DA CHAMADA «ÉPOCA DE OURO DO CINEMA PORTUGUÊS», OLVIDADOS OU CENSURADOS PELA RTP.

(Ou a guerra que travo há mais de um ano com o Ex.mo Director de Programas da RTP; guerra não, porque até agora só tem andado a fugir! «VANTAGEM DE CÁ».)

No dia 13 de Junho do ano passado, a RTP assinalou os cinquenta anos da morte desse gigante do Teatro, da Rádio e do Cinema Português, que se chamou Vasco Santana. E lá vieram os clássicos filmes que só não classifico de estafados porque, como muita gente, adoro-os: «O Páteo das Cantigas», «A Canção de Lisboa», «O Pai Tirano», «Camões» e, pasme-se, «A Vizinha do Lado» e «A Menina da Rádio» onde Vasco Santana não entra. E então «O COSTA d'ÁFRICA»???
Por correio electrónico enviado em 23 de Maio de 2008 ao Sr. Provedor do Telespectador, chamei a atenção para o facto de certos filmes e documentários nunca, que eu saiba, terem sido exibidos na RTP. São exemplos filmes polémicos como «Mundo Cão 1 e 2», exibidos no tempo da Censura com alguns cortes, «África Adeus», documentário sobre o resultado das independências concedidas às colónias da África Negra e que, obviamente, serviu a política ultramarina de Salazar, ou o programa da BBC sobre os escândalos sexuais do Vaticano branqueados pelo Papa Bento XVI. Só a SIC teve a coragem de exibir este último, mas às quatro horas da madrugada!
Obtive como resposta que «o Provedor não pode interferir previamente nas opções dos responsáveis dos conteúdos».
Posto isto enviei ao Director de Programas da RTP, em 21 de Novembro de 2008, uma mensagem em que solicitava uma justificação para o facto de «O COSTA d'ÁFRICA» não ter sido incluído na citada efeméride, e sugerindo que, uma vez por outra, mandasse substituir um filme de violência gratuita, em que a RTP é useira e vezeira, pela aludida película.
Como não obtive resposta, concluí que havia uma certa falta de educação além de uma estranha censura que, no que respeita ao citado filme português, parece atingir todos os directores de programas da RTP. Assim e, com o meu sentido de humor, prometi enviar-lhe uma cópia do filme em DVD que possuo graças à TVI, um lápis azul e uma tesoura para ele usar no caso de encontrar «cenas chocantes». Ora como continuou a não haver resposta, acabei mesmo por fazê-lo (tendo juntado à encomenda cinco comprimidos de um anti-ácido, não fosse o Exmº Director ter problemas de indigestão ao ver o filme), acrescentando que Censura conheci eu quando entrei para a Emissora Nacional em 1968, um mês antes de Salazar caír da cadeira.
Ironizei com frases consagradas nos filmes portuguêses, tais como «chapéus há muitos» mas filmes com Vasco Santana há poucos, e recordei o comentário de Henrique Santana aquando da gala dos 25 anos da RTP em 1982: «infelizmente quase tudo o que havia com o meu pai perdeu-se; talvêz o melhor arquivo ainda esteja no cinema».
Em face do exposto cabe perguntar: o que se passa com «O COSTA d'ÁFRICA»? Ou com «O Comissário de Polícia» onde Vasco Santana também entra, embora num papel secundário? Será que os Portugueses, pagantes da taxa, não têm o direito de ver esses filmes? O primeiro foi exibido há anos, como atrás disse, pela TVI e existiu em VHS. Quanto ao segundo, e que me lembre, foi apenas uma vez apresentado pela RTP há mais de vinte anos, e do qual possuo uma gravação no velho sistema Beta. Entretanto a chamada Televisão Pública vai exibindo até à exaustão sempre os mesmos filmes, desde «A Canção de Lisboa» até a «O Grande Elias».
E, já agora, uma pergunta para a Cinemateca Portuguesa: porque é que só foram restaurados os filmes, chamemos-lhes assim, mais comhecidos? ( a propósito:o som de «O Costa do Castelo» ficou um escândalo de distorção, que se pode provar comparando com a gravação em VHS!). Mas voltemos ao «COSTA d'ÁFRICA», sobre o qual vou dar algumas informações, já que a Televisão Pública continua pura e simplesmente a ignorar a sua existência.
Tendo sido originalmente uma comédia teatral, foi levada ao cinema em 1954 pelo realizador João Mendes. Nos principais papeis temos além de Vasco Santana, Laura Alves, Ribeirinho, Erico Braga, AnaPaula, Henrique Santana, Hortense Luz, Rogério Paulo, Aida Batista, Costinha e Tereza Gomes.
Segundo a opinião de quem viu a aludida peça teatral, a versão cinematográfica dá uma pálida ideia do argumento mas, e voltando a citar Henrique Santana, «o melhor arquivo de meu pai ainda se encontra no cinema». Será preciso mais alguma razão para «O COSTA d'ÁFRICA» não ter sido votado ao ostracismo? Mesmo sem ser perito em cinema julgo que não, pois trata-se de uma sátira ao período colonial da nossa História. e até porque Vasco Santana desempenha um papel totalmente diferente daquele a que nos habituou: o cómico. Se em «Fado, História de uma Cantadeira» desempenha, genialmente, um papel dramático, aqui representa um personagem grosseiro e um pouco brutal, parodiando uma boa parte dos colonos portuguêses que, como então se dizia, «saíam da Metrópole pedreiros, passavam o equador eram mestres-de-obras e, chegando a África, eram engenheiros».
Tudo isto rodeado de grande comicidade, com os habituais trocadilhos e aldrabices que tão bem caracterizaram o Cinema Português da época. E a juntar a estes há ainda deliciosos comentários «africanistas» tais como «que linda palhota que tu arranjaste», referindo-se à casa que julgava ser do sobrinho, ou chamando Bijagós ao suposto criado ou «macacuço» ao bebé.
É óbvio que só quem esteve em África pode compreender estes e outros termos usados mas, recuando no tempo, será que alguém entende hoje o quer dizer «sua silvana mangana de trazer por casa» ou «essa nega maluca»? Claro que só os mais velhos se podem lembrar, e cumpre a estes esclarecer os mais novos. Tal como as Revistas Teatrais, os filmes que retratam a época em que foram feitos, contêm muitos ditos e cenas muito limitados no espaço e no tempo, que impede muitas vezes a compreensão das gerações mais novas. A título de exemplo cito apenas este exraído de «O COSTA do CASTELO»: «Será que vossemecê deita água no leite? Eu?, a dois mil reis o metro, boa!»
Ora nessa época constou que os leiteiros, que levavam o leite em vasilhas metálicas a casa dos clientes, e à porta destes o mediam em púcaros, deitavam água para aumentar a quantidade. Porém, como os densímetros acusavam esta fraude, dizia-se que eles passaram a urinar no leite, mantendo assim a densidade deste. Se é verdade não sei, mas tempos depois apareceu o leite engarrafado com a sigla UCAL (julgo que queria dizer União das Cooperativas Abastecedoras de Leite). O português, porém, sempre «pobrete mas alegrete», substituiu logo a sigla por «Urina Com Algum Leite». Sempre o nosso inestimável espírito de humor, recheado de anedotas em que a política era, no tempo da Censura, o prato forte, e que já me levou a pensar em organizar com outras pessoas que ainda tenham algumas na memória, uma espécie de antologia da anedota política portuguesa.
E por hoje chega. Viva «O COSTA d'ÁFRICA ». Poder-se-á dizer que o tema já está ultrapassado, mas desta vez não são as tias que vêm de Trás-os Montes, nem a tia que vem do Brsil ou o tio que chega de Famalicão: é o tio que vem do Alto Lingoto, e o director de programas da RTP, que veio da TSF, deveria ir para as ilhas Desertas (arquipélago da Madeira) ou para qualquer outro recôndito cantinho do Território Português, meditar no que atrás foi dito. Talvêz desse aso à realização de um novo filme cómico português: «Um Director de Programas em Meditação Transcendental no Âmago da Natureza».
Entretanto, e como já disse graças à TVI, para a qual não pago taxa, vou divertindo os meus amigos com os Bijagós e as macaquices do filme, pleno das mais aberrantes ou caricatas «cenas de racismo e colonianismo», conforme o modo de ver de cada um.