D. ANÍBAL, “O GRANDE”,
REI DA BELALÂNDIA
Conto infantil por João Maia-Saturnino
(Para crianças actuais, obviamente)
Nota: Qualquer semelhança com personagens reais é pura coincidência.
Primeiro capítulo:
O País e o Ministro
Era uma vez um pequeno país chamado Belalândia. O seu nome devia-se à beleza das suas paisagens e à benevolência dos seus habitantes, que se consideravam, muito justamente, como um povo de brandos costumes.
A sua longa História de quase nove séculos, durante os quais os seus navegadores e alguns pedestres percorreram o mundo, era um dos seus maiores orgulhos. No entanto, e talvez por modéstia, tinham a mania de dizer que lá fora (diga-se fora das suas fronteiras) tudo era bom, ao mesmo tempo que, estranhamente, diziam mal de si próprios e da sua terra, apesar de crerem que ela era abençoada por Deus e ter por madrinha a chamada Virgem (?!) Maria. Talvez fosse, para além da referida modéstia, um certa dose de masoquismo.
Também tinha a mania de que falava todas as línguas do mundo, preterindo o seu próprio idioma a favor do francês e, posteriormente, do inglês. Este estranho hábito levava-o muitas vezes a pronunciar a última com um zelo tal, que chegava a atingir palavras de outras línguas que nada tinham a ver com ela.
Mas, adiante. Ninguém é perfeito e os povos também não. Assim, e apesar de guerras, crises, pestes, fomes, terramotos e outras catástrofes acontecidas com a bênção do seu Deus e a cumplicidade da Madrinha, que teve um filho mas tinha o hímen intacto, (o que era a coisa mais importante), o sol dourado, o azul do oceano, e toda uma plêiade de santos e heróis constantes da sua História, a mais bela de todas como se ensinava no regime político anterior àquele em que este conto decorre, continuavam a justificar o nome de Belalândia.
Ora, como todos sabemos, é muito certo o rifão que diz que no melhor tecido pode cair uma nódoa. E, a par dos grandes ladrões de terras do passado (perdão, conquistadores) que criaram um dos maiores impérios mundiais com o pretexto de levar a fé cristã à barbárie, surgiram também uns imbecis capazes de envergonhar todos os chamados grandes do passado.
Entre eles surgiu na história recente da Belalândia um pobre diabo, nascido nas terras mais meridionais do país, que apostou na ideia de um dia vir a ser governante, e se possível fundar uma nova dinastia chamada da “Casa de Bule-e-Queima”, nome do lugarejo onde foi parido por sua mãe, senhora que, segundo consta, era possuidora das mais elevadas virtudes, embora, pelo menos após o parto, não fosse virgem, o que nunca lhe permitiria vir a ser madrinha do país.
Consta que empurrado pelo pai, um vendedor de petróleo refinado para veículos motorizados, achou que o melhor caminho para alcançar tão ambicioso projecto, era tirar um curso de Ciências Económicas e Financeiras. Mesmo que não aprendesse mais nada para além do estritamente necessário, como saber ler, escrever e contar, confiou na máxima de que em terra de cegos quem tem um olho é rei, ou melhor, ser doutor em qualquer matéria fosse como fosse. Até porque na Belalândia, ser-se bacharel ou licenciado abria todas as portas a qualquer cidadão, mesmo que fosse um imbecil.
Assim, lá partiu a caminho de Belaboa, a capital do país, bem instalado numa camioneta, uma vez que os burros quadrúpedes da sua aldeia se recusavam a transportar qualquer burro bípede nas suas costas. Em tudo deve haver um mínimo de respeito e decoro, e aqueles solípedes, apesar do nome que lhes puseram, merecem também o nosso respeito.
Mas, o ambiente da grande cidade, fez-lhe despertar a cobardia que lhe era inata, e fazia-o esconder-se atrás de um colega para escapar às reprimendas dos mestres, atirando assim com as culpas para os outros. E, tal como os gauleses da aldeia de Astérix, adquiriu a mania que o céu lhe poderia cair em cima da sua obtusa cabeça. Este facto aconteceu quando viu, aterrorizado, que vários monstros voadores passavam sobre a cidade, coisa que não acontecia na sua aldeia, e que fez com que, anos mais tarde, mandasse fechar o espaço aéreo da área da sua residência, não fosse uma daquelas estranhas aves deixar cair um ovo em cima dele. Este facto ofendeu as dezenas de “seguranças” de que sempre se rodeou; então eles não tinham capacidade para dar um chuto num ovo, mesmo que fosse maior do que o de uma avestruz? Mas ele não era homem para se impressionar com protestos e manifestações. Quero, posso e mando era a sua divisa, inspirada pelo medo. Afinal, quem tem rabo também tem medo (de levar umas chicotadas) e, os terrores dele já tinham evoluído para uma autêntica paranóia.
Mas, mesmo os medrosos também têm os seus romances de amor, apesar de o casamento ser uma aventura muitas vezes ingrata, pelo que o povo também lhe chama forca. Assim, o nosso indígena da Bule-e-Queima, meteu temporariamente todas as fobias num saco, e deu o nó com uma prendada senhora chamada Maria, como a maioria das mulheres do país. Enlevados, arranjaram uma moradia e puseram-lhe um nome formado pelas iniciais dos seus nomes. Que romântico! Mas, como escreveu um poeta chamado Fernando Gente, “romantismo sim, mas devagar”. É que o problema surgiu quando a prendada senhora se revelou tanto ou mais megalómana do que o marido, isto é, queria ser a primeira-dama e, se possível, Dª Maria III, esposa de D. Aníbal I “O Grande”, no caso da Belalândia voltar a ser a monarquia que já fora.
Inspirado por sua esposa, conseguiu chegar a ministro das finanças no Governo de um primeiro-ministro chamado Sá Cordeiro, tragicamente desaparecido. Mas, foi sol de pouca dura: pouco tempo depois era corrido como incompetente.
-Ai, Maria! (bufou com a sua voz roufenha). O que vai ser dos nossos belos sonhos de poder. A minha vontade é escavacar a bosta deste pais.
-Não te preocupes, meu amado esposo, afirmou ela com a força esmagadora da sua personalidade de trazer por casa. Não dês cavaco à populaça. Se não serves para ministro, servirás para Chefe do Governo, e só terás, na hierarquia do Estado, duas pessoas acima de ti. Tem calma; lá virá o dia em que serás o mais importante do teu país, e eu subirei a teu lado. Para isso, e para começar, vou passar a dar-te lições de boas maneiras e cultura geral. De modo algum quero voltar a ver-te comer um bolo-rei com a boca aberta, dizer que “Os Belasíadas” têm quatro cantos e que leste “A Utopia” de Tomás Men. Estive a investigar e descobri que Thomas More (e não men) foi um inglês que nasceu no século XV, foi executado por ordem de Henrique VIII e, séculos depois santificado, tornando-se o patrono dos políticos. E tu bem precisas de um patrono, pelo que deves dedicar-lhe as tuas orações. Se, de facto, leste a “A Utopia”, devias saber isto. O outro, Thomas Mann era alemão e foi prémio Nobel da literatura em 1925, e pronuncia-se com se escreve. Estás a ver o que tive de investigar para saber isto? Ai essa falta de cultura! Espero que, ao menos, tenhas aprendido isto e que passes a ler jornais, à falta de melhor. E dizes tu que és um homem que nunca se engana e raramente tem dúvidas!Olha que está a emergir na nossa política um idiota a quem o pai baptisou Socretino em homenagem a um filósofo que disse “sei apenas uma coisa: é que nada sei”. Cuidado porque ele pode tornar-te a vida negra.
-O quê, Maria, ele disse isso?
-Não foi o português, foi um filósofo grego que esteve cá há pouco tempo a passar férias. Mas, continuemos.Procura, também, corrigir essa horrível pronúncia. Não se diz “purgrama do gurveno”. Até parece que levaste uma purga.
- É um defeito que a minha língua tem desde que nasci.
-Isso sei eu, desde que casei contigo. Não sabes usá-la de maneira nenhuma. Nem a falar nem a comer, entre outras coisas. Portanto, ouve-me e cala-te. Lembra-te, também, que este povo é uma paz de alma. Até fez uma revolução com cravos, o que deixou muita gente encravada. Chegou a altura de aproveitares a situação. E, por hoje, basta. Vamos para a cama para eu te ensinar o que é que os belalandenses têm de fazer para conseguir ter mais filhos. Será que ainda te lembras?
***
Segundo capítulo:
O Primeiro-Ministro
E o tempo passou. Maria foi profeta. Mal informado, ou desiludido com os governantes anteriores, o povo da Belalândia votou no Aníbal de Bule-e-Queima tempos depois de este, medroso como sempre mas oportunista, ter desaparecido da cena política.
E foi eleito Primeiro-Ministro por três vezes, para alegria de uns e tristeza daqueles que viam as tristes figuras que fazia no seu país e no estrangeiro, e olhavam para os seus esgares e ar de idiota, quando aparecia na televisão ou em fotografias nos jornais, muitas vezes tiradas de propósito, nos seus melhores (ou piores) momentos. E, quando ia à praia, mandava afastar os outros banhistas cem metros para cada lado, não fosse alguém perturbar as suas profundas meditações enquanto conduzia o barco do estado, julgava ele, com mão segura. É claro que não tinha culpa; ele era mesmo assim. Mas isto era o menos, comparado com o que estava para vir.
Cumprindo os preceitos que caracterizam os falsos bons alunos, a que juntou a cobardia e a ignorância sobre os debates políticos, aceitou todas as imposições que o clube de países a que pertencia a Belalândia ditou. A troco de dinheiro fácil, mandou abater a frota pesqueira, abandonar a exploração agrícola, destruir a indústria e levar o país a uma dependência quase total do estrangeiro. Além disto criou uma enorme classe de novos-ricos, autorizando alcavalas a quem ganhava mais, como subsídios de gasolina, reformas antecipadas com compra de anos de serviço por meia dúzia de cêntimos, e montes de outros benefícios. Assim, aumentou o fosso entre ricos e pobres, coisa que nem um antigo ditador chamado António Azeitoneira Sal e Azar, que governou o país durante quase quarenta anos, fez. E, apregoava, na sua rude imbecilidade, ser “o homem do leme” ao mesmo tempo que berrava “deixem-me trabalhar”!
Rodeado de ladrões, corruptos e oportunistas, não houve obra cujo orçamento não “derrapasse” do previsto, sem que Aníbal prestasse contas sobre o paradeiro de tanto dinheiro desaparecido, ou mandasse identificar e prender os ladrões.
Finalmente, e após um terceiro (des)governo, perdeu as eleições, o que fez com que desmaiasse durante a tomada de posse do seu sucessor.
Parecia o fim político do “homem do leme”, mas não foi. Sempre cobarde, a perguntas sobre o seu futuro político, respondia que isso era tabu. Mas o plano do casal tinha de ser executado à risca, ou eles não ambicionassem o poder a qualquer preço, mesmo que Aníbal tivesse de se esconder o tempo necessário. Também o seu provincianismo, no mau sentido do termo, obrigou Aníbal a dar razão aos ditados que dizem “nunca peças a quem pediu” e “nunca sirvas a quem serviu”. O que poderia, então, ter como posto mais alto que não fosse o de Presidente da República da Belalândia, e a sua esposa a primeira-dama, já que a monarquia era uma causa perdida?
Assim, concorreu duas vezes a eleições presidenciais, mas em ambas foi derrotado.Voltou, então, aos seus tabus, e desapareceu novamente, esperando por nova oportunidade, que chegou passados dez anos, como vingança sobre a populaça ignorante que o havia renegado.
***
Terceiro capítulo:
O Presidente (1º Mandato)
Nas vésperas da tomada de posse como Presidente da República da Belalândia, em que tentava pôr em ordem os confusos e poucos pensamentos inteligentes que lhe passavam dentro da caixa craniana, pouco superiores aos de um chimpanzé de dois anos, teve de aturar a sua amada esposa que lhe ministrava, mais uma vez, doses maciças de boas maneiras e cultura geral: ó homem, quando voltares a falar em público, lembra-te que no teu anterior reinado tiveste um tipo ligado a essa estúpida coisa chamada cultura, um tal Santa-Ana Popes, que deu bronca quando disse que gostava dos concertos para violino de Xou-Pang.
-Xou quem?
-Xou-Pang, aquele músico chinês do tempo de Mao-Tesão-Dong. E, a propósito de tesão: nas cerimónias oficiais a que terás de presidir, cuida de pôr o nó da gravata direito, mesmo que eu esteja lá para arranjá-lo em frente de toda a gente. E, se voltares a desmaiar, enfio-te uns dentes de alho pelas ventas adentro, para ficares bem teso.
-Ai, Maria! Larga-me a braguilha, pois já não posso aturar os teus sermões.
-Não é só o que está dentro da braguilha, homem. Quero-te todo teso, nem que para isso tenhas de pôr o país no mesmo estado.
-Mas, o país já está todo escavacado, Maria.
-Deixa lá, não foste só tu a fazê-lo. O que é preciso é que agora te portes bem e atires as culpas para os outros, como sempre fizeste. Lembra-te que és o primeiro entre os primeiros. Mas, precisas de mais conselhos. Por exemplo, se um dia fores ver como hoje se ordenham as vacas, não penses que elas estão a sorrir, mas sim a olhar para ti com os cornos apontados em ar de compaixão.
-Mas, Maria, há muitos anos que olho para uma vaca!
-Estás a referir-te a mim, estúpido?
-Não, meu amor. Mas a saudade da minha terra, à qual ordenei que mudassem o nome de Poço de Bule-e-Queima para Fonte de Bule-e Queima, recordou-me a Marilú, a vaquinha que o meu pai mungia antes de trocar o leite pela gasolina. É que, na época, havia uma frase que dizia: “tens muito leite”, e que significava ter muita sorte. Mas, apesar da troca de líquidos, o meu pai conseguiu, como sabes, enviar-me para Belaboa, onde me tornei doutor.
-Licenciado, queres dizer.
-Ora. Tu bem sabes que na nossa terra licenciado e doutor é a mesma coisa. Para os segundos inventou-se o título professor doutor, que soa muito melhor. De qualquer modo, também me doutorei e, por isso, sou professor embora não saiba grande coisa de finanças. E hoje sou também doutor honoris causa, como sabes. A propósito: lembras-te daquele escritor chamado José Sal-Amargo a quem deram o Prémio Nobel? O palerma, que nem sabe usar a pontuação naquilo que escreve, disse que quando eu falava era o campeão da banalidade, entre outras cretinices a meu respeito. Pobre idiota. Mas, quando ele morrer, vou vingar-me não indo ao funeral dele. Vais ver como, mesmo depois de morto, vai ficar chateado. Se eu tivesse poder absoluto mandá-lo-ia enterrar na Feialândia.
-Onde fica isso, meu amor?
-Não sei. Mas para um herege que disse que a nossa querida Bíblia é um manual de maus costumes, era uma boa ideia que existisse, já que o Papa Wojtyla acabou com o inferno.
-Cala-te, que é melhor, porque afinal não és lá muito católico. A propósito: quando é que vais à missa?
-Sabes que não gosto de dar nas vistas. Rodeado de seguranças e ter de mandar fechar o espaço aéreo, seria provável que alguém reparasse em mim.
-Então não confias no Deus da Bíblia?
-Confio. Mas, como sou desconfiado, receio que, numa coisa ou outra, o tal Sal-Amargo tenha razão quando disse que esse Deus não é de fiar!
Cala-te, homem. Para pecados já chegam os que tens feito ao teu País. Mas está na altura de escolhermos o fato que vais usar na tomada de posse. É pena não seres militar para ires com a farda coberta de dezenas de fitas com coisinhas de metal penduradas, cordões dourados e tantas outras mariquices de que a tropa tanto gosta. Alguns até as usam no pijama. Mas não te rales. Lembra-te que vais ser o comandante supremo das Forças Armadas, e eu a primeira generala da Belalândia. Vá! Põe-te teso!
-Outra vez, Maria?
-É para teres um ar machista quando passares revista às tropas em parada. Ao menos que seja apenas nessas ocasiões, já que estou farta desses estranhos delinquidos que te dão nas raras vezes que devias portar-te como um homem. Não te esqueças: cabeça erguida olhando aqueles tipos olhos nos olhos. Não quero que faças como um antigo Ministro da Defesa, o Paulito Janelas, que olhava sempre para uma zona mais abaixo.
-Credo mulher, ainda não me passei para o outro lado, embora haja cada vez mais quem faça. Por isso, quando for o Presidente da Belalândia, vou promulgar a lei que permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Esta e muitas outras leis polémicas. E, assim, para a História, ficarei para sempre D. Aníbal “O Grande”. Pena é que, em vez de presidente não possa ser rei mas, apesar disso, confia em mim!
-Rei ou presidente é a mesma coisa. Apesar de não teres sangue azul vamos viver num palácio dos arredores da capital onde fabricam uns pastéis de se lhes tirar o chapéu ou a coroa, conforme a situação. Aliás, com a mania de vir a ser rei já temos o D. Duardos que ostenta, orgulhosamente, aquele espanador das partes íntimas femininas, para além de ter cara de parvo e dificuldades de dicção como tu. Mas deve ser mais culto, o que não é difícil. E lembro-te, mais uma vez, que deves fechar a boca se um dia te apetecer comer em público aqueles famosos pastéis. Também convém que a mantenhas fechada o mais tempo possível, já que quando a abres ou entra mosca ou sai asneira. Lembra-te que da última vez, em vez de asneira, saíram pedaços de bolo-rei. Não queiras que da próxima vez saltem da tua boca migalhas de bolo-presidente.
E chegou o grande dia. D. Aníbal portou-se o melhor que a sua mediocridade permitiu, e agradeceu com os seus esgares usuais as palavras de felicitações que os donos do Poder, como sempre representados pelo clero, políticos, militares e seus lacaios, costumam papaguear tanto para um génio como para um cretino qualquer, o que era o caso. “Dêem-me uma varanda estrategicamente colocada numa grande praça, e colocarei no poder seja quem for”, é uma máxima verdadeira dita por um político de um país da América do Sul chamado Pirum.
Uma vez instalado em tão elevado cargo, não faltaram oportunidades para evidenciar a sua tacanhez bem como a da esposa. Certa vez em que o palácio da terra dos pasteis estava aberto para a populaça poder visitar os aposentos de Sua Excelência, Maria, sempre desejosa de mostrar a subida na hierarquia do país do seu adorado esposo, apontando aos basbaques o gabinete de trabalho, exclamava embevecida: fala aqui a voz da experiência. Referia-se aos muitos anos que Aníbal tivera como primeiro-ministro, o que lhe dera muitos conhecimentos sobre como governar.
Mas, o Presidente dessa época, um bocchechudo com ar impertigado que se julgava dono da democracia após a tal Revolução dos Cravos, embirrava solenemente com ele. Por sua vez, este chamava ao outro "força de bloqueio". Quem diria que, tempos depois, Socretino (o português) havis de provocar a inversão dos papéis. Agora, a tal força era o Aníbal e, enquanto Socretino esbanjava as finanças da Belalândia, mantinha-se calado para mais tarde dizer: eu bem avisei!.
Mas, o Presidente dessa época, um bocchechudo com ar impertigado que se julgava dono da democracia após a tal Revolução dos Cravos, embirrava solenemente com ele. Por sua vez, este chamava ao outro "força de bloqueio". Quem diria que, tempos depois, Socretino (o português) havis de provocar a inversão dos papéis. Agora, a tal força era o Aníbal e, enquanto Socretino esbanjava as finanças da Belalândia, mantinha-se calado para mais tarde dizer: eu bem avisei!.
***
Quarto capítulo:
O Presidente (2º Mandato)
E passaram cinco anos, término do seu mandato. Porém, a ambição do casal era muita, como se sabe, o que o levou a recandidatar-se novamente, aproveitando-se da Constituição da Belalândia que permitia dois mandatos consecutivos. A campanha que fez foi hilariante. Acompanhado sempre por sua esposa, tão bem classificada por uma jornalista da TV como o seu GPS, tanto um como outro fizeram as mais tristes e ridículas figuras que, como é óbvio, não conseguiam entender.
Tendo sido reeleito segunda vez, embora com menos votos do que na primeira, coisa que, pelo contrário, não acontecera aos seus três antecessores, isolou-se cada vez mais e, o que foi melhor, procurou não falar muito. Rodeado pelos seus servidores, que por sua vez se serviam das suas limitações, só uma vez por outra aparecia em público, fugindo dos apupos com que era brindado pelo povo.
Lembrando-se de que, quando era primeiro-ministro, tinha sido apupado no estádio de um clube de futebol da capital, o Malfica, fugiu, apavorado, de uma manifestação contra ele organizada por alunos de uma escola que ia visitar.
Chegando a palácio dos pastéis, com os característicos esgares ainda mais acentuados, rosnou (sem ofensa aos cães) para a sua querida esposa: Maria, calcula que um grupo de matulões queria matar-me!
-Credo, meu esposo. Tu não ias apenas visitar uma escola de miúdos?
-Sim, mas cautela e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém. Por isso ordenei ao motorista a retirada imediata, porque às vezes, as crianças crescem muito depressa. Nunca se sabe o que elas me poderiam fazer. Olha, como já é quase noite, manda apagar todas as luzes do palácio. Tenho sempre medo que alguma coisa nos possa cair sobre a cabeça e é muito chato ter de mandar fechar o espaço aéreo outra vez.
-Ora, não penses mais na aldeia do Astérix. Todos os teus receios são reflexo das fantasias que te meteram na cabeça quando eras criança sobre papões, bruxas, fantasmas, e duendes. Já tens idade para não acreditar nelas e confiar apenas em mim. Repara que quando te dei lições de cultura geral, falei de vaquinhas a sorrir? Não me ligaste nenhuma, e fizeste aquela triste figura na visita que fizeste aos Alhores. Como vês parece que consigo prever o futuro, como aquela gaja chamada Maga que está podre de rica graças à credibilidade das pessoas. E, a propósito de riqueza. Como vamos viver após a tua reforma?
-Ai, Maria, não me lembres isso. Já basta a bronca que dei quando disse que ela mal dava para pagar as despesas quando acabar o tacho que tenho agora. Viste aquela desavergonhada que passou aqui em frente com uma lata na mão a pedir uma esmolinha para nós? E aquela cançoneta que surgiu logo a dizer que vão tirar do buraco um pensionista escavacado? E os comentários e gargalhadas que, e era bom que fosse só isso, provocaram? Será que acabou o respeito a que, tal como à bandeira e ao hino, tenho direito? Começo a pensar que teria feito melhor se tivesse ficado na minha querida terrinha a vender gasolina como o meu pai. Na realidade, não tenho jeito para isto.
-Gasolina e gasóleo, que é mais ordinário. Na verdade, começo a estar arrependida de ter ido atrás dos teus medíocres planos de grandeza. Mais uma vez, prevejo: vais ficar na História do nosso país como uma nódoa, um imbecil, um cretino, um idiota.
-Então, agora sou tudo isso? E tu também não tens culpas no cartório? Parece que já não te lembras quando, na última campanha eleitoral, me empurraste pelo rabo para um estrado e disseste “gand’Aníbal”. Não me obrigues a zangar. Se tenho medo de todos, de ti não tenho.
-Zangam-se as comadres e descobrem-se as verdades. Afinal, o meu digníssimo esposo, não passa de um medricas. Até, como comandante supremo das Forças Armadas, não conseguiu pôr esses tipos na ordem, e mandar a tropa limpar as matas, colaborar com os bombeiros, ajudar as polícias na protecção do povo, e proibir-lhes as manifestações às quais não têm direito. Até traíste a nossa língua, o belalandês, promulgando um acordo com países estrangeiros. Sabes que mais? Vai à merda!
Esta pacífica conversa foi bruscamente interrompida pelo chefe da casa militar. Como não tinha tido tempo de se fardar completamente, apareceu em cuecas com as medalhas colocadas na dita peça de roupa, exibindo um esquisito bailado em mistura com os penduricalhos naturais, tal era a atrapalhação do pobre lacaio. Mas, apesar da triste figura, não se esqueceu de fazer continência e bater com os calcanhares, como o seu cérebro, programado por anos de caserna, ordenava. Como não estava calçado, sentiu uma dor aguda o que aumentou o berro com que disse: Excelentíssimo e digníssimo Senhor Presidente. Aconteceu uma grande desgraça. Uma ameaça esmagadora, terrível, mortífera, horrível, letal…
-Basta de palavreado. O que foi que aconteceu, guinchou o Aníbal com as nádegas bem apertadas e os habituais esgares na carantonha que se tornara pálida. A tropa revoltou-se e vai matar-me?
-Não é isso, excelência. É bem pior. O Socretino voltou e vai vingar-se de si fazendo comentários na TV pública!
-Aaaaah, exclamou o pobre diabo desmaiando nos braços da sua querida, mas agora odiada, esposa.
E levaram-no para a cama. Deram-lhe uma purga e só não lhe fizeram uma sangria, porque recearam sujar o chão do palácio dos pastéis com o fluido sanguinolento que lhe corria nas veias.
Finalmente, reanimado com água fria despejada sobre a sua inculta cabeça, olhou em volta com ar apático. Jamais conseguiria compreender as tristes figuras que havia feito durante o tempo em que fora poderoso.
Maria, mais uma vez, foi profeta. O reinado de D. Aníbal, que se julgava grande, acabou mal. Gozado e achincalhado em toda a Belalândia, retirou-se no fim do mandato com a mulher para a sua moradia. Com a idade entrou em delírio e tinha pesadelos horríveis. Via vacas que davam gasolina em vez de leite, julgava estar perante um tribunal da Feialândia acusado de ter sido cúmplice na destruição do seu país, via bebés a ameaçá-lo com biberões e chupetas, ovos a cair do céu, gargalhadas fantasmagóricas daquele que foi o seu povo, choros de todos os corruptos lamentando a sua falta, pedintes com latas a suplicar-lhe uma esmolinha por amor de Deus, mangueiras de bombas de combustível com cornos que diabos lhe enfiavam como clisteres e, horror dos horrores, o Socretino a rir como um possesso com uma forquilha na mão e asas de demónio, a correr atrás dele pronto a dar-lhe uma purga. Enfim, todo um horror de pesadelos que seria inútil e cruel mencionar mais.
Por fim teve um ataque de loucura violenta, mas não foi necessário pôr-lhe um colete-de-forças. Bastou um pequeno pedaço de cordel para o imobilizar, e acabou no chamado País dos Sonhos lançando uma última careta para o céu que, afinal, sempre lhe caiu sobre a cabeça.
E assim acabou um pobre homem que, incapaz de medir o alcance das suas forças, acabou ridicularizado nos manuais de História que, infelizmente, está cheia deles.
E esta foi mais uma história de contos de fadas que começou com o tradicional “era uma vez”, mas não terminou com o conhecido e estafado “casaram e foram felizes para sempre”. Coisas da vida!
***
EPÍLOGO MORALISTA
Meus meninos (era assim que se fazia o conceito das histórias no meu tempo). Depois do que lestes, deveis tirar as seguintes lições, tantas vezes badaladas mas raramente cumpridas.
1 - Como foi referido, procura, sempre que a vida o permitir, nunca servir a quem serviu nem pedir a quem pediu.
2 - Nunca queiras ser mais do que as tuas possibilidades permitem. Lembra-te que quem semeia ventos colhe tempestades e, o que é pior, poderás arrastar para o abismo outros que em ti confiaram.
3 - Em tudo que fizeres, põe sempre o teu melhor. Lembra-te que as coisas devem ser feitas o mais perfeito possível, senão não vale a pena perdermos tempo com elas. Há muitos ramos onde podemos aplicar a nossa inteligência, saber e experiência.
4 - Lembra-te sempre que os génios são uma minoria. No entanto, todos somos necessários. Como diz o velho rifão, mais vale um bom sapateiro do que um mau médico.
5 - Se vieres de uma classe socialmente baixa, o que não é de modo algum uma vergonha, educa-te, estuda, lê e aprende para, no caso de subires na vida, não fazeres figuras tristes.
6 - Por maior razão, se tirares um curso não te limites apenas ao necessário. O saber não ocupa lugar.
7 - Se alguma vez estiveres entre várias pessoas, principalmente desconhecidas, e elas estiverem a rir, mantém-te sempre sério. Poderão estar a rir-se de ti e pensa na triste figura que farás se rires também.
8 - Procura não falares daquilo que não sabes e, muito menos, seguir atrás das aparências. Estas enganam muito e estão por detrás de toda a crendice humana. Por isso deves ter sempre espírito de crítica sobre tudo em que acreditas.
9 - Se exerceres o teu direito de votar, pensa sempre que todos os candidatos vão prometer tudo, para depois de eleitos não darem nada. Se fores honesto, só pelo teu esforço conseguirás subir lealmente na vida.
10 - A História ensina que qualquer pessoa, bem ou mal intencionada, pode alcançar o Poder. Porém, os primeiros estão condenados ao fracasso porque são uma minoria de sonhadores, além de não perceberem que os povos não sabem usar a liberdade que lhes querem dar.
11 - A Humanidade é contemplada, de quando em quando, com alguns génios. Estes, porém, tanto podem usar o seu talento no bem como no mal. A História prova que os segundos estão em larga maioria. Se não sabes, (o que é muito provável com o “ensino” que se dá hoje) investiga temas como a Revolução Francesa ou a Revolução de Outubro na Rússia. E, não esqueças também, que a Instituição (dita militar) que fez o "25 de Abril de 1974" foi a mesma que fez o 28 de Maio de 1926".
12 - E poderia dar muitos mais conselhos. Mas, quem sou eu para fazê-lo?
Limito-me apenas a dizer: Se um dia te encontrares num beco sem saída, traído pelos amigos e por todos aqueles que diziam que te amavam, não desanimes. Ergue a voz, e grita bem alto: SOU EU. ESTOU SOZINHO, MAS SOU EU!
FIM
Amadora, 1 de Abril do ano da graça (ou da desgraça) de 2013
Visto pela Santa e Geral Inquirição
NIHIL OBSTA
IMPRIMATUR
IMPRIMATUR
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