10/05/2009

Uma breve história daquilo a que chamo tradutores ignorantes e locutores/papagaios


Esta história não é de agora. É evidente que desde que o Homem começou a falar, aconteceu a inevitável consequência: o disparate linguístico, que se agravou com a tentativa de transmitir os seus pensamentos para outros idiomas, até porque cada um contém expressões e palavras intraduzíveis que provocam muitas vezes o disparate e até a hilariedade quando traduzidas à letra.

Mas avancemos até ao início dos anos 80 do século passado. Alguém se lembra, ainda, da série “A Vida na Terra” de David Attenborough, e da qual possuo todos os episódios, gravados no velho sistema"beta"? O consagrado Eládio Clímaco, por quem aliás tenho muita admiração como apresentador, seguiu à letra dezenas de disparates devidos a má tradução. Talvez o melhor de todos seja aquele em que diz, no 7º episódio: “…a certa altura os répteis desenvolveram na cabeça saliências ósseas em forma de barretes dramáticos”. É espantoso, não é? Espantoso e dramático não saber que este adjectivo não tem o mesmo significado em português e, que pode e deve ser substituído por espectacular, assinalável, notável, conspícuo, etc. Espantoso é também o facto de se tratar de uma locução feita em estúdio, e não em directo onde qualquer disparate pode acontecer. Como fui profissional da RDP na Antena-2, sei quantas paragens são necessárias para corrigir inevitáveis erros e enganos; e isto no tempo em que não existiam computadores e tudo era gravado em fita magnética, onde os operadores de som faziam autênticos milagres para intercalar ou omitir qualquer palavra ou frase.

Ora actualmente é muito difícil admitir que empresas como “Pátio das Cantigas”, “Pim-Pam-Pum”, “Ideias e Letras”e outras que de momento não me recordo, não ponham mais cuidado nos disparates dos tradutores com que depois os locutores-papagaios nos supliciam.
Ver um programa que dura cerca de 50 minutos e ouvir constantemente que “um relâmpago caiu”, “um relâmpago atingiu fulano...”, “um relâmpago fendeu uma árvore”, etc, não será um suplício? Não saberão que relâmpago é a luz emitida pelo raio e que este, e só este, pode provocar as situações atrás descritas? Ou então termos de aturar “a progenitora isto” ou “o progenitor aquilo” durante todo um programa? Embora não esteja errado, uma das grandes riquezas da língua portuguesa é evitar a repetição de uma palavra na mesma frase. Porque não alternar de vez em quando com pai, mãe, ou pais?

Aquando do 11 de Setembro, a jornalista da RTP Andreia Neves repetiu vezes sem conta que “as torres gémeas colapsaram”, papagueando o que ouvia em inglês. Mas o verbo colapsar, não se aplica normalmente a edifícios. Para isso, e em bom português, temos desmoronar, ruir, cair, desabar, abater, etc. Mas, claro, o que dá menos trabalho é traduzir certas palavras à letra e não consultar fontes técnicas para evitar disparates. Depois termos de ouvi-los pela voz de locutores, alguns até com excelente dicção e voz radiofónica, mas que parece seguirem à risca o que lhes pôem diante dos olhos. Mas o que é mais importante é pronunciar com uma ênfase exagerada a língua inglesa, idioma que já por si é enfático e que possivelmente provocaria num cidadão britânico a exclamação típica “I beg your pardon!”, mesmo que fosse de Oxford. Os outros povos não se preocupam com isso, a começar pelos próprios ingleses. Todos sabemos como eles pronunciam Mourinho, por exemplo.

Mas o cúmulo do ridículo acontece quando se pronunciam em inglês nomes que nada têm a ver com a Inglaterra. Que o digam o astrónomo alemão Kepler que já foi apelidado de ‘kipler’, ou o também astrónomo de nacionalidade dinamarquesa Tycho Brahe, quase sempre pronunciado como 'Táicau'. Também a Bielorrússia já foi chamada de ‘bielorrâxia’. Ora, o nome do país provém do russo 'bielo' (branco) mais Rússia e isto, para quem não saiba, deve-se ao facto de os seus habitantes terem o cabelo, os olhos e a pele muito claros. Portanto, traduzido à letra seria Rússia Branca. E, entre dezenas de exemplos, vou citar ainda o caso da pobre ninfa Io, que deu o nome a um dos satélites de Júpiter, e é tão conhecida dos amantes de palavras cruzadas. Pasme-se, mas a dita ninfa já foi chamada de “Aiôu”. Coitada! Já não lhe bastou ter sido violada por Zeus e por ele transformada em vaca. Agora mudaram-lhe a nacionalidade, e qualquer dia são capazes de lhe chamar ‘the cow Aiôu'.
E, já agora, para os curiosos que tenham a paciência de me ler, e sem querer entrar em mais pormenores sobre esta figura mitológica, esclareço que foi ela que deu o nome ao mar Jónico (Iónico) e, depois de atravessar o estreito que separa o mar Negro do mar de Mármara, e que hoje divide a cidade de Istambul, lhe deu o nome de Bósforo, o que em grego significa ‘estreito da vaca’.
Meus amigos: quando não sabemos a que língua pertence uma palavra, o melhor é pronunciá-la em português. O meu saudoso pai contava que uma vez na Espanha, pediu ao empregado do hotel uma "escueva". Sem entender o pedido, o espanhol solicitou-lhe que falasse português, já que talvez fosse mais fácil compreender. Depois de ouvir, exclamou: "Si, una escova"!

Concluindo: é melhor falar e pronunciar na nossa língua, do que cometer erros grosseiros só para mostrar que falamos todos os idiomas do mundo.

E por hoje fico por aqui. Para a próxima vou elaborar uma lista de ‘pérolas’ em que as empresas atrás aludidas são férteis.


3 comentários:

  1. Gostei,é pena não haver em Portugal mais "Saturninos"

    Parabéns

    MH

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  2. Aprender está sempre disponível quando queremos. Lemos Saturnino e aprendemos de certeza. Gostei imenso.

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Nota: qualquer comentário a este artigo escrito segundo o chamado 'novo acordo ortográfico', será considerado como tendo erros grosseiros e, como tal, corrigido.