BEM PREGA MARIA FLOR...!
Como escrevi no artigo anterior, a maior vergonha é insistir no disparate. É o que se passa nos órgãos de Comunicação Social que parecem ficar indiferentes ou, o que é pior, a gozar com os ensinamentos e chamadas de atenção constantes no programa “Cuidado com a Língua”, finalmente regressado à RTP, da autoria do Professor José Mário Costa e com locução da minha ex-colega da RDP Maria Flor Pedroso. De facto é triste ouvir dizer nesse programa que low-cost, por exemplo, pode e deve ser substituído por “baixo custo” e, pouco depois, ouvir um jornalista ou um apresentador repetir o mesmo anglicismo. Ou então frases do género "fulano reuniu com...em vez de reuniu-se", como se o verbo reuinir não fosse transitivo directo, ou ainda "as crianças saíram a correrem", usando erradamente dois verbos no plural na mesma frase. E isto também acontece por vezes na chamada Televisão Pública, o que prova que há lá dentro quem não se importe em insistir nos disparates, revelando uma total falta de respeito pela Língua Portuguesa e pelos ensinamentos lidos por uma colega, apoiada por uma competentíssima equipa de colaboradores. Se não têm tempo para ver o programa "Cuidado com a Língua", façam como eu: gravem-no para ver depois e guardar como elemento de consulta.
Felizmente já estou voluntariamente reformado da Antena 2 da EN/RDP, hoje fundida com a RTP, e na qual trabalhei trinta e quatro anos. Como tenho um pouco de zaragateiro, quando vejo pisar por ignorância ou propositadamente a nossa Língua, as Artes e as Ciências torno-me chato e, possivelmente, já teria arranjado conflitos com alguns desses novos colegas importados da Televisão para a Rádio. Vejamos agora alguns exemplos para além dos famigerados anglicismos:
Aquando da tempestade que atingiu a ilha da Madeira, um jornalista da SIC ao entrevistar o Professor Anthymio de Azevedo, a dada altura veio com o clássico galicismo “climatérico”, tendo o entrevistado respondido que essa palavra não existe em climatologia. Só não acrescentou, talvez por respeito ao seu interlocutor, que deve dizer-se climático ou climatológico, como foi explicado por Maria Flor num dos seus programas. Curiosamente, quando a mesma entrevista foi repetida na SIC Notícias, este pormenor foi omitido. Coisas!
E já que estamos a falar de fenómenos meteorológicos, e aproveitando a tromba de água que se formou sobre o Tejo, será que os senhores jornalistas terão aprendido o que é uma tromba de água? É exactamente aquilo que aconteceu: um tornado sobre uma superfície líquida que, ao aspirar a água, assume uma forma de tromba (daí o seu nome), e não uma grande chuvada como costumam dizer. Espero que a tenham visto com os próprios olhos. E escrevo esta típica frase para justificar a promessa que fiz no artigo anterior: falar de pleonasmos.
Derivada do grego pleonasmos, que significa excesso, amplificação, exagerar, etc., a palavra pleonasmo constitui, como facilmente se depreende, a qualidade de suficiência, da inutilidade ou da superfluidade. Assim, o seu uso deve ser apenas utilizado como reforço de uma ideia ou situação, tornando-se inútil e enfadonha quando empregada sem qualquer critério ou, como agora infelizmente é usual, devido ao mau ensino que se pratica e que infesta o chamado português europeu que se lê na internet. (Nem ouso falar no apelidado português do Brasil)!
Mas como toda a medalha tem o seu reverso, e já que falámos (e não “falâmos “ como se diz agora) do Brasil, recordo uma piada do grande humorista brasileiro Juca Chaves quando se refere a um garotinho que, ao ser interrogado sobre o que gostaria de fazer quando fosse grande, respondeu que o seu sonho era ser comentador desportivo, para “dizer coisas inteligentes e sábias na televisão”. (Que a memória de Alves dos Santos e o seu eterno “sempre ele”perdoe a inocente criancinha e esta humorística citação).
Em compensação temos hoje de aturar “avança no terreno, recua no terreno, cai no terreno, rola no terreno, sai do terreno, entra no terreno, cospe no terreno, etc.” (já agora a locução conjuntiva latina et cetera também no terreno), como se o futebol não se desenrolasse no terreno de jogo, e tudo isto apenas para “castigar” um infeliz “esférico” ou “redondinha” sujeito a pontapés e cabeçadas de todos os tipos, incluindo os “de primeira”! Mas, e como é óbvio, estas últimas palavras fazem parte da gíria do futebol, tão respeitáveis como as que existem noutras profissões.
Mas voltemos à sobejamente conhecida frase “ver com os próprios olhos”. Neste caso trata-se da intenção de convencer os auditores, como fez Camões na estância nº XVIII do Canto 5º de “Os Lusíadas” quando utiliza a expressão “vi claramente visto o lume vivo”, referindo-se ao fenómeno que os marinheiros denominaram fogo-de-santelmo.
Como é sabido trata-se de descargas de electricidade estática que, durante uma tempestade, por vezes faíscam nas pontas das mastreações dos navios.
Também é costume dizer-se “vinte e quatro horas por dia” entre outros exemplos rotineiros.
Mas o que não é aceitável são frases como “subi para cima” ou “desci para baixo”, ditos que sempre provocaram o sorriso dos auditores com um mínimo de conhecimentos gramaticais.
Mencionemos agora dois pleonasmos que, embora haja quem os não considere como tal, constituem, no meu modo de ver, autênticos disparates. Trata-se de abalo sísmico e habitat natural.
Quando iniciei a minha carreira profissional na Emissora Nacional em 1968 como assistente de programas musicais, havia normas reguladoras sobre a linguagem a usar aos microfones, normas essas que também eram extensivas a todos os órgãos de comunicação ente os quais, e como é óbvio, estava a jovem RTP, então com apenas onze anos. Uma dessas normas proibia (é o termo) o uso da expressão abalo sísmico porque, na realidade, trata-se de um típico pleonasmo que tem tanto de inútil como de mau gosto. E é fácil perceber porquê. Abalo parece provir do latim advallare, que por sua vez vem de vallis, que significa vale. Assim o verbo significa “lançar-se ao vale” e, por generalização, “deslocar-se ou mover-se”.
Por sua vez sismo vem do grego seismós que tem vários significados como “comoção, abalo, emoção, agitação, tremor de terra”. Assim, abalo sísmico pode “traduzir-se” por “abalo abalado”, que é um verdadeiro exemplo dos mais ridículos e inúteis pleonasmos, embora seja aceite pelo Dicionário Houeiss da Língua Portuguesa, com o apoio da Academia das Ciências de Lisboa. Pela minha parte, porém, e porque sou casmurro, continuarei a dizer sismo, abalo telúrico (do latim tellus que significa terra, globo terrestre), tremor de terra, terramoto ou maremoto, no caso deste último ocorrer no mar. Neste último caso poderá provocar raz de maré, termo empregado, como já mencionei num artigo anterior, em “Lições de Geologia” para o antigo 3º ciclo dos Liceus, de que possuo um exemplar pelo qual estudei. Mas agora temos o termo japonês tsunami, em que “tsu” significa porto, ancoradouro, e “nami” onda, mar. Portanto o significado é “onda no porto” (invadindo o porto), e não onda gigante como já ouvi num telejornal uma professora “ensinar” aos seus alunos. E depois não querem avaliações!
Quanto a habitat natural, na minha modesta opinião, é outro pleonasmo. Senão, vejamos: habitat, palavra latina que, literalmente, significa “ele habita”, refere-se, em ecologia, a um ambiente em que estão reunidas todas as condições naturais nas quais um animal ou um vegetal habitam. Ora, e por exemplo, uma pobre ave presa numa gaiola, ou outro animal em qualquer tipo de jaula, por mais “dourada” que esta possa ser, peca sempre, pelo menos, pela falta de espaço. Um golfinho dentro de uma piscina, por maior que esta seja, será sempre para ele uma simples banheira comparada com a imensidade do oceano. E mais ainda quando é obrigado a fazer palhaçadas, para as quais não nasceu. Portanto, um habitat artificial, no meu entender, não existe, embora haja quem defenda essa ideia, talvez porque nunca esteve preso. Estou certo ou estou errado?
E por hoje fico por aqui, cumprindo assim a promessa que fiz no texto anterior, de ser mais breve. Já aliviei mais um pouco a “carga hepática”, conforme revelam as últimas análises que fiz.
Até à próxima.