26/06/2010

“PRÓS E CONTRAS” COM PAPAS NA LÍNGUA (2ª parte)

“PRÓS E CONTRAS” COM PAPAS NA LÍNGUA

MAS O QUE VIMOS E OUVIMOS FOI APENAS… “PRÓS”!

(2ª PARTE)

E depois da malfadada publicidade, lá veio a 2ª parte do programa “Pró-Papa”.
Falou a abrir Pedro Castro, o líder da empresa encarregada da construção dos altares em Lisboa e Porto e de toda a logística para receber o Papa. Ficámos a saber que, como a Igreja não tem dinheiro, foram contactados vários empresários para financiar os custos. Este facto fez-me vir à memória a frase do cardeal Cerejeira quando foi demitido pelo Papa Paulo VI em 1971: “saio tão pobre como entrei, e vou viver das esmolas dos paroquianos”. Na altura fiquei muito preocupado com tanta penúria e, se fosse rico, ter-lhe-ia comprado o “Bentley” que possuía. Mas adiante.
Marcelo Rebelo de Sousa, continuando a papaguear as verdades dele e dominando aquele pseudodebate, referiu a posição de Lisboa no mundo, a evangelização feita pelos Portugueses com uma mensagem que inspirou um dos lances mais felizes da Europa, como seja a propagação da igualdade, da universalidade, da humanidade, do respeito da pessoa, embora muitas vezes com erros e opressões, concluindo que foi Portugal que iniciou a globalização. Deu também a entender que Portugal fez isso sem interesse. (Deve ter sido único na História). Fátima Campos Ferreira ainda contrapôs, que a Igreja nem sempre conseguiu levar a bom termo essa mensagem, mas Marcelo, mais uma vez disse que esta é feita por homens. Com tanta insistência neste tema acabei por ficar sem saber se a dita instituição é de Deus, do Diabo, dos Homens, ou de um desconhecido qualquer!
Por sua vez a irmã Fátima Guimarães disse que sempre conseguiu arranjar dinheiro de anónimos porque há muita gente boa neste país. Disse também que não tem medo de entrar em certos locais porque o Papa disse que no fundo toda a gente, mesmo fazendo asneiras, tem sede de Deus. E continuou dizendo que até já se sentou ao lado de um rapaz às duas da manhã para lhe dizer que Deus o ama e que não tem medo nenhum, até porque tem a Polícia por detrás dela e que a ajuda em caso de necessidade. Este caso provocou o riso na bem-aventurada assistência, extensivos ao comandante da Polícia presente. Ficámos assim a saber, e as palavras são dela, que Deus ama os criminosos, portanto não há que ter receio. Pela minha parte julgo que isto só passou a acontecer quando o Papa anterior encerrou o Inferno e aquela coisa disparatada que era o Limbo, e para o qual iam as indefesas criancinhas não baptizadas. Isto faz nascer a esperança de que um dia o Purgatório seja também banido de tão sábia religião. E a propósito de purgas, lembrei-me que Molière dizia que os médicos só serviam para três coisas: fazer sangrias, dar purgantes e mandar a conta. Felizmente que hoje fazem muito mais do que isso pois os tempos mudam, e pode ser que um dia surja um Papa que determine a existência de um Céu para todos, bons e maus, unidos na infinita misericórdia do Deus da Bíblia que ainda não se lembrou de proibir que nasçam crianças defeituosas.
E a propósito, permitam-me uma anedota: um garoto que nasceu com vários defeitos físicos e psíquicos começou a dizer palavrões a torto e a direito. A mãe, já de si preocupada com o estado do filho, ficou horrorizada ao ouvir o escatológico palavreado que, por entre vários esgares, saia da boca da criança. Por isso resolveu repreendê-lo com o clássico “se continuas a dizer asneiras, Deus Nosso Senhor castiga-te”. O garoto, que apesar dos seus defeitos não era totalmente parvo, perguntou: e o que é que ele me faz? Despenteia-me?
Mas continuando.
Falou depois o comissário Pedro Flor da PSP, encarregado da gigantesca operação desencadeada para proteger o Papa, não fosse Deus estar distraído com assuntos inerentes a outros mundos, e deixar o Diabo cometer um atentado contra o seu representante no planeta Terra. Conclui-se assim que nem Deus nem o ridículo “papamóvel” são já suficientes para proteger Sua Santidade nos alegados tempos perturbados em que vivemos. Afinal, quem tem cu também tem medo!
E poderia continuar com uma análise mais aprofundada do que se disse naquele dogmático programa, mas menciono apenas o facto de Fátima Campos Ferreira ter perguntado a Marcelo Rebelo de Sousa qual era o espaço dos ateus e agnósticos que, nas suas casas, assistiam ao programa. É estranho, ou melhor, sintomático, que só no final do programa se tenha lembrado deles. Por isso pergunto? Porque não convidou alguns, fazendo assim jus ao título do programa que sempre tem respeitado?
Entusiasmado, como sempre, o professor "explicou" que todos têm o seu espaço e deu, como exemplo o Papa, um homem da razão, que chega à fé através dela. Que fácil é, para aqueles que crêem, inverter a realidade das coisas , esquecer, consciente ou inconscientemente, todos os males e catástrofes horrendas que a sua religião provocou, para além de alimentarem-se de deuses, estátuas e coisas afins sem ter a mínima base ou prova científica. No fim de contas, até está certo. A Idade da Razão principiou apenas há três séculos, o que, no contexto histórico, representa apenas uma ínfima fracção de segundo.

Mais uma vez alonguei-me demasiadamente nesta luta inglória contra a ignorância e a crendice, razão de ser deste blogue. Assim vou terminar esta 2ª parte do texto dedicado ao programa “Prós e Contras” do passado dia 10 de Maio do Ano da Graça de 2010, apresentando a minha conclusão: de facto foi um programa especial, como disse Fátima Campos Ferreira no início da transmissão. Assim oro, embora não saiba a quem deva fazê-lo, com esta litania: Abençoada sejas tu RTP que aplicando honestamente o dinheiro oriundo das taxas e da publicidade que te sustenta, nos proporcionaste quase duas horas de falso debate, concordância de ideias, amor entre os homens (e em Cristo, não esqueçamos), e mesmo com bacalhau e mariscada à mistura, todos os intervenientes, bafejados pela mensagem emanada das Sagradas Escrituras e envolvidos na brumosa aura da sua religião, a única verdadeira, e na qual só alguns estúpidos como eu não acreditam, disseram:

SUPERCALISFRAGILISTICEXPIALIDOCIOUS!
E eu acrescento: AMEN!!!

Mas, é claro! O burro sou eu! Mas onde é que já ouvi isto?

COMENTÁRIO FINAL:
Desde que nasci, em 1942, “conheci” seis Papas: Pio XII, João XXIII, Paulo VI, João Paulo I, João Paulo II e, agora, Bento XVI.
Quando o primeiro morreu, ou antes, foi ter com Deus em 1958, chamaram-lhe “O Papa da Paz”, embora não tenha ganho o respectivo Prémio Nobel. Mas durante o seu pontificado eclodiu a 2ª Guerra Mundial, para só falar desta.
João XXIII tentou aliviar a corrente da âncora que prende a Igreja Católica ao mais abjecto conservadorismo e, decerto modo, conseguiu. Pelo menos começou a viajar para tentar compreender o mundo e as suas mudanças.
Paulo VI fez marcha-atrás, e até veio a Fátima adorar e louvar a estátua da chamada Virgem Maria.
E João Paulo I, o"Papa Sorriso"? Quem é que se lembra dele? Estranhas coincidências rodearam o seu pontificado de trinta e dois dias. Lembro-me muito bem da sua figura que nada tinha de falsa beatificação, dos seus pequenos óculos que não conseguiam esconder a claridade sorridente dos seus olhos, e de ouvi-lo declarar com um verdadeiro ar de humana admiração nunca ter pensado que lhe iria acontecer semelhante coisa: ser eleito Papa. Recusou a coroação formal, ser transportado em liteira e pretendeu acabar com o bolorento conservadorismo que infesta a Igreja Católica.
Também me recordo que a imprensa da época (que agora se chama “os media”) ter mencionado que ele pretendia investigar as finanças do Vaticano, das quais era ministro um bispo do qual não me lembro do nome. Pouco tempo depois apareceu morto na cama, lendo “A Imitação de Cristo”. Coincidências ou acção da Mafia que governa o Vaticano?
Mas isto é uma mera suposição. Àquelas coincidências, seguiram-se outras que parece terem caído no esquecimento. Senão, vejamos:
1º- A Igreja Católica e o comunismo sempre foram antagónicos, e para lá da “cortina de ferro”, ensinava-se e impunha-se o ateísmo, mesmo considerando que Jesus Cristo tenha revelado algumas teses que hoje seriam designadas como marxistas.
2º- Quando foi eleito João Paulo I, na Polónia, país de grandes tradições católicas, o sindicalista Lech Wallesa começava a contestar o “democrático” partido comunista que governava o país, acabando por fundar dois anos depois o sindicato "Solidariedade", que seria o princípio do fim do regime.
3º- A esmagadora maioria dos Papas foi italiana. (lembro o português João XXI, também conhecido por Pedro Hispano, que reinou apenas oito meses no século XIII). Curiosamente, logo após o estranho desaparecimento de João Paulo I, é eleito um Papa…polaco!
4º- Poucos anos depois, em 1985, Mikhail Gorbatchev foi eleito secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética. Daí em diante o mundo ocidental foi confrontado com duas palavras que acabaram por se tornar proféticas: “perestroika” e “glamost”. A primeira referia-se às necessárias e urgentes reformas para restaurar a economia russa, destruída por décadas de colectivização forçada. A segunda referia-se à abertura da vida cultural e aos planos para limitar a censura e encorajar livres debates políticos.
5º- A Igreja Católica aproveitou-se logo da situação, como fizera em 1917 com as chamadas aparições, e quis adaptar um dos especulativos ”segredos” de Fátima à conversão da Rússia. Acrescente-se que a Rússia nunca se desconverteu. O regime, como foi dito, é que reprimia toda e qualquer religião.
6º- João Paulo II “foi o Papa que mudou o mundo”. Mas foi ele, Lech Wallesa, Gorbatchev ou Boris Ieltsine? E será que a mudança foi assim tão grande? Nunca houve outras mudanças até maiores em toda a História?

E termino, finalmente, pedindo desculpa por neste epílogo ter feito suposições capazes de fazer sorrir Sherlock Holmes. "Elementar, meu caro Watson". Ou talvez não!


08/06/2010

"PRÓS E CONTRAS" COM PAPAS NA LÍNGUA (1ª parte)

"PRÓS E CONTRAS" COM PAPAS NA LÍNGUA

MAS O QUE VIMOS E OUVIMOS FOI APENAS... "PRÓS"!


(1ª PARTE)


No programa de Fátima Campos Ferreira “Prós e Contras” do passado dia 10 de Maio, foi abordada a visita de Bento XVI a Portugal. Que me recorde, e referindo-me apenas aos programas que vi, este foi apenas “prós” já que, e como é costume na RTP, quando se fala da Religião Católica, há sempre um estranho esquecimento no que respeita a ateus e agnósticos, para não falar de outras religiões com menor implantação mundial, mesmo que sejam cristãs.
Daqui podemos concluir que a RTP é mais papista que o Papa, considerando que os Portugueses elegeram Jorge Sampaio Presidente da República por duas vezes (e possivelmente mais se a Constituição permitisse) apesar de ter declarado antes de ser eleito, e perante as câmaras da Televisão Pública, que era ateu. Para um país com tantas tradições católicas, o que é inegável, é caso para começar a meditar sobre o que está a acontecer na mente do povo português. Será que começa a abrir os olhos?
Mas voltemos ao programa que deveria ter sido intitulado “Pró-Papa”.
Como nota introdutória Fátima Campos Ferreira falou dos que têm outra religião e dos ateus (esqueceu-se dos agnósticos) e apresentou os convidados entre os quais se destacaram Carlos Azevedo, bispo auxiliar de Lisboa e coordenador geral da visita papal, o professor Marcelo Rebelo de Sousa, o presidente da "Caritas" Eugénio da Fonseca e a psiquiatra Margarida Neto. Na plateia destacou a figura da actriz Glória de Matos, o representante da Direcção Nacional da PSP, comissário Pedro Flor, o porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa, padre Manuel Morujão, o padre Tolentino Mendonça, os responsáveis pela construção do altar de Lisboa, Pedro Castro e Marta Roquete, as deputadas Teresa Damásio e Isabel Galriça Neto e, pela Comunidade Islâmica de Lisboa, um senhor cujo nome não consegui perceber para além de Mohamet, e que acabou por não aparecer.
O bispo auxiliar foi o primeiro a ser interrogado sobre o significado de tão transcendental visita mas, como era de esperar, repetiu o mesmo discurso que todos fazem nestas ocasiões, seja qual for o tipo de visitante. Como é óbvio, e como se tratava do patrão, lá veio a inevitável alusão a Fátima e ao Deus em que crê. Mas, e o comentário é meu, delega nas suas criaturas as soluções para todas as crises, por mais que as suas ovelhas orem a pedir o seu auxílio, mostrando que, na realidade, não passa de um mau pastor. Ao menos o cão, também criatura de Deus, mostra-se muito mais zeloso, dedicado e protector.
Por sua vez, Marcelo Rebelo de Sousa, como sempre defendendo a sua dama, ainda aludiu à Inquisição, criticando o facto de se matar pela fé. Esqueceu-se, porém, que a morte infligida aos desgraçados que caím nas garras dessa instituição, não era rápida, o que até seria uma bênção. Para além dos terríveis meios utilizados para chegar a ela, as torturas incapacitaram fisicamente ou levaram à loucura famílias inteiras num total de muitos milhares de pessoas.
Quanto à visita de Bento XVI referiu a alegria que todos os católicos iriam sentir ao receber o seu líder espiritual, e afirmou com a sua característica entoação que não admite dúvidas, não haver provas sobre o encobrimento dos casos de pedofilia na Igreja Católica. Antes pelo contrário. Ó senhor professor: não lhe chega o documentário da BBC, exibido pela SIC, com tantas testemunhas e relatos de membros da própria Igreja Católica sobre o encobrimento do documento Crimen Sollicitationes, datado de 1962, e de que foi vigilante durante vinte anos o cardeal Ratzinger, depois promovido a Papa pela “inspiração”divina que bafejou os seus colegas eleitores, e que se manifestou por uma pequena fumaça branca saída de uma chaminé? E que este documento impõe silêncio aos clérigos, às vítimas e às testemunhas sob pena de excomunhão? Bem sei que o senhor é doutorado em Direito, pelo que não quero de modo algum meter-me em disciplinas que desconheço. Mas, não será que a sua fé lhe faz ofuscar a razão, como aconteceu, por exemplo, com um Leibniz ou um Einstein, como já referi num texto deste blogue? Aconteceu a muitos grandes génios em todos os tempos e há que respeitá-los tanto pelas suas obras como pelas suas crenças, desde que estas últimas não prejudiquem as primeiras. Porque, no fim de contas, religião e ciência, em virtude do dogmatismo da primeira, nunca se deram bem. Como disse Carl Sagan , "a supressão de ideias desconfortáveis pode ser comum na religião e na política, mas não é o caminho para o conhecimento". Pela minha parte, acrescento: na ciência, muitas delas tornaram-se leis ou princípios. Na fé, não passam de hipóteses sem fundamento.
Quanto à crise sem paralelo que a Europa atravessa, permito-me perguntar ao professor se a História do Velho Continente (e de todo o planeta) não é toda feita de crises, sejam elas maiores ou menores, e relativas à época e ao local onde se desenrolam. Antes de embarcar nas suas entusiásticas retóricas, lembre-se da História Universal que estudou no liceu e que, na sua esmagadora maioria, é constituída por guerras, crimes, pestes, e catástrofes de toda espécie. A maior parte delas foi originada pelas estúpidas sucessões dinásticas das monarquias e, no caso da Europa, pelas várias cisões dentro do próprio cristianismo. O mundo só mudou científica e tecnologicamente. Em tudo o resto está absolutamente na mesma, por mais Moisés, Budas, Cristos e Maomés que apareçam a apregoar a liberdade e justiça em nome de todos os Deuses que quiserem. Seria fácil confirmá-lo se houvesse imagens gravadas do passado. Talvez muita gente passasse a dizer “como o mundo é” e não apenas “como o mundo está”. E é disso e do progresso científico, que a religião católica tem e sempre teve medo. "Bem-aventurados os pobres de espírito porque deles é o Reino dos Céus.". Consta que Jesus Cristo disse isto mas, francamente, não vi o filme «Jesus de Nazaré» de Zefirelli. (Perdoem-me a ironia) Ou ainda: "não lhes abras os olhos patrão; o que é que vão ver? A sua miséria? Eles passam fome, fazem filhos e dizem: Deus seja louvado" (in «Alexis Zorba» de Nikos Kazantzaki).
Eugénio da Fonseca, presidente da “Caritas”, uma organização a todos os títulos louvável mas que seria desnecessária se “tudo corresse pelo melhor no melhor dos mundos possíveis”, como afirmava Leibniz, teve de responder a uma daquelas perguntas inúteis e disparatadas que os jornalistas costumam fazer. Ao ser interrogado se a visita do Papa era importante, uma vez que ia ter um encontro com as várias redes sociais portuguesas, respondeu que…era importante, já que o Papa, na sua primeira Encíclica, mostrara interesse pela obra caritativa da Igreja e que, por isso, tinha ficado surpreendido! Depois acrescentou que todos os Pontífices tinham feito o mesmo!?
Mais clara foi a psiquiatra Margarida Neto, quando afirmou que, e passo a citar, que "a Igreja preenche as mulheres e os homens do nosso tempo como preencheu ao longo da História, e perdura o grande milagre que é uma instituição com certeza ter sido ferida em muitas falhas, que são de natureza humana; os casos de que aconteceram, que acontecem, são porque padres, os religiosos e as religiosas são homens e mulheres e, portanto, com fragilidades como todos temos, mas preenche porque, e voltando à mensagem principal do Papa, que era aquela que eu mais tenho expectativa de ouvir, e tenho a certeza que vou ouvir, é este grande chapéu que começa na primeira encíclica de que o professor Eugénio estava a falar, que Deus é amor, e é isso que me parece que é o centro da fé". Referiu-se também à solidão e às mulheres, realçando que sendo Deus amor, significa tudo para uma mulher, e que a presença desta começa com Maria.


Depois de ter ouvido e tentar compreender tanta erudição, e enlevado pelo extraordinário misticismo por ela revelado, comecei seriamente a pensar em consultar uma (ou um) psiquiatra. Mas, uma vez acalmados os meus hipocondríacos receios, considerei que talvez este acto de possível terapêutica ficasse melhor à referida doutora, ou consultando uma colega de ofício, ou fazendo uma auto-consulta.


Mas foi a deputada do CDS ,Teresa Damásio, que fazendo eco da confusa verborreia da senhora licenciada em psiquiatria, e fazendo jus ao elevado cargo que ocupa na sociedade portuguesa, velando, qual sentinela firme e erecta, pela religião tradicional dos cidadãos, confirmou de maneira incontestável, os sagrados caminhos da doutrina cristã. Para isso utilizou uma retórica capaz de fazer inveja aos mais eruditos. Insistiu que a Igreja actual tem sabido acompanhar a evolução dos tempos, até porque foram mulheres que acompanharam Cristo na Galileia quando foi crucificado, e ainda que foram elas que foram ao Santo Sepulcro verificar que tinha ressuscitado. (Mas, segundo a Bíblia, só apareceu em carne e osso aos seus discípulos, verificação muito materialista confirmada por S. Tomé. Depois armou-se em astronauta e subiu aos céus, não fosse o seu povo entregá-lo de novo á populaça por quem lutou). E continuou dizendo que as mulheres estão presentes na Bíblia e na Igreja, e espera que um dia sejam ordenadas padres. Por isso não se sente discriminada. Disse, ainda, que a vinda do Papa nesta altura de crise, é muito importante para Portugal, tanto para os crentes como para os não crentes, e que o Espírito Santo vai iluminar todos. Fátima Campos Ferreira acabou por interromper tanta eloquência, o que não foi má ideia visto que a doutora Margarida tinha dito mais ou menos o mesmo.
Nesta parte do "imparcial" programa televisivo, lembrei-me da Mary Poppins e de Julie Andrews a cantar supercalisfragilisticexpialidocious, ou seja “uma coisa que se diz quando não temos nada para dizer”. A propósito: Quem não se recorda deste delicioso filme da Disney?
Continuando o interessante espectáculo que a Televisão Pública proporcionou, entrou em cena o padre Manuel Morujão, falando com aquele sibilar característico de quase todos que andaram no Seminário. Porque o fazem, nunca cheguei a perceber. Nem o doutor Salazar escapou a essa espécie de contágio. Enlevado por um ar de beatificação e de felicidade, parecendo rodeado por uma aura só comparável à da Sra. Dª. Aura Miguel, conceituada jornalista da Rádio Renascença que teve a honra sublime de ter falado com João Paulo II, parecia ser o possesso da verdade. Cheguei a recear que começasse a levitar, quanto mais não fosse para provar que o Deus da Bíblia pode anular a Lei de Newton. Explicou, assim, que não podíamos ver os papas como um Wojtyla ou um Ratzinger, já que todos eram Pedro. (que confusa hereditariedade!)
E prosseguindo com aquele ar de quem anda numa nuvem rodeado de anjinhos e de virgens, (até porque as outras mulheres são pecadoras), também se esqueceu que o papado é feito por homens com todas as suas qualidades e defeitos, tal como os Deuses das religiões que, na minha opinião, foram criados pelo ser humano à sua imagem e semelhança, e não o contrário como tentaram impingir-me em criança. Por isso omitiu (ou fingiu não saber) que no Vaticano, como em qualquer sociedade humana, facto aliás mencionado pela Drª Margarida Neto, existem qualidades e defeitos susceptíveis de serem apoiadas ou condenadas conforme o modo como são apresentadas, ou a maneira de ser de quem as vê ou quer ver.
Por isso não falou dos filhos dos Papas, das suas taras sexuais, do Grande Cisma do Ocidente em que pontificaram simultaneamente dois Papas, um em Roma e outro em Avinhão (França), nem da Papisa Joana que reinou dois anos no Século IX, e que deu origem à célebre frase “Habemos Papa”. Acreditem ou não, depois daquela bronca, os novos Pontífices tinham que se sentar numa cadeira com um buraco, pelo qual um inspector, verificando se tinha testículos, confirmava com aquelas palavras que se tratava de um homem, não fosse o Diabo tecê-las e colocar no lugar de Pedro esse ser desprezível, estúpido e ignorante chamado mulher. Viva o machismo. E, já agora, pergunto se não será por isso que a RTP tem grande afinidade com a Igreja Católica e os seus chefes. É tudo uma questão de ter “tomates”, como o seu funcionário José Rodrigues dos Santos, que se julga muito engraçado, afirmou ao terminar um telejornal dizendo que era um final com os ditos penduricalhos. Sobre esta e outras gracinhas desse senhor, que pode ter jeito para muita coisa menos para apresentar o telejornal, já escrevi um pequeno artigo neste blogue.
Numa outra intervenção, o senhor bispo auxiliar esclareceu que a alegria cristã nunca ofende a tristeza dos outros, e que os critérios dos mercados vão contra a verdade dos factos. Mais uma vez a falta de memória ,ou o ópio da fé, fez que não dissesse que o Vaticano está a abarrotar de riquezas, a maioria roubadas, o que contraria a chamada “missão caritativa da Igreja”.
Marcelo Rebelo de Sousa tudo ia ouvindo com um ar de bem-aventurança, intervindo aqui e acolá, impregnado como estava pelo seu dogmatismo. Aliás foi o convidado que falou durante mais tempo. Se estivesse sozinho teria, certamente, eclipsado Fidel Castro. Este defendendo as "virtudes" do comunismo, aquele as "verdades" do catolicismo. Ossos do ofício.
Noutro momento do programa, Fátima Campos Ferreira pediu ao senhor bispo auxiliar que explicasse como foi possível o Papa, como coordenador da verdade, ter escondido o documento Crimen Sollitationes. O bispo auxiliar meteu os pés pelas mãos e tentou atirar a explicação para o passado, dando a entender que o Papa, na sua nova condição, já não era a mesma pessoa. Por isso agora já assumia o problema da pedofilia na Igreja Católica mas, que de qualquer modo, tudo não passava de uma campanha para o denegrir.
Depois Glória de Matos falou sobre as diferenças entre os dois últimos Papas. Como é óbvio todos somos diferentes (mas afinal não são todos Pedro?) e foi eleito numa altura em que se contestam todas as lideranças e valores. Mas, tal como ao nosso pai, temos que obedecer ao Papa mesmo que não concordemos. Até porque "as pessoas estão secas e andam umas contra as outras".
Mais uma vez a amnésia, essa estranha doença que a algumas pessoas faz esquecer o que não lhes interessa, entrou em cena. Assim não falou dos conflitos que desde sempre animaram a história da humanidade, como por exemplo as Cruzadas, a chacina dos Judeus em Lisboa no reinado de D. Manuel I, o chamado "Venturoso", na matança da noite de S. Bartolomeu ocorrida em França em 1572, em que os católicos se deleitaram a massacrar dezenas de milhar de protestantes, etc. etc. Tudo isto foi olvidado pelos convidados e pela apresentadora, facto que se estendeu à assistência que, aliás, não se mostrou nada avarenta nas suas entusiásticas ovações. No fim de contas tratava-se de aplaudir mais um "santo padre"!
Rita Neto, tentando mudar de assunto sem dizer nada, falou da Ressurreição, e disse que esta é alegria e que os católicos vivem num mar de alegria. Mas não disse que também os católicos têm medo da morte, e quando o Papa está para morrer fazem uma choradeira tremenda e rezam para que isso não aconteça. Até porque quando uma pessoa se salva “graças a Deus”, ninguém diz que Deus não a salvou, mas que apenas adiou a morte. Não será óbvio?
O padre Tolentino Mendonça, à pergunta se Bento XVI sente a necessidade de uma nova evangelização da Europa, começou por criticar o intelectualismo e afirmar que o Papa é um homem com ideias claras. (Deve conhecê-lo há muito tempo) . Depois veio com a velha história dos Evangelhos e dos grandes valores europeus, do modo como o Cristianismo faz parte da cultura da Europa e de Paulo de Tarso, que veio dizer que nas cidades gregas e em Roma já não havia cidadão nem bárbaro, nem escravo nem homem livre, nem distinção entre homem e mulher, donde se conclui que o Cristianismo lançou um novo ideário civilizacional. Sem dúvida que o encontro da Europa com o melhor de si própria está no coração de Bento XVI, e até há quem diga que este Papa é o último iluminado da Europa! Possivelmente, digo eu, quando morrer transmitirá o cognome por herança. De facto não há nada como louvar o patrão actual. Mas a sua amnésia apenas lhe permitiu falar de Paulo de Tarso, esquecendo-se de grandes pensadores cristãos tais como Abelardo, Erasmo, ou Lutero que criticaram ou revoltaram-se contra a Igreja de Roma devido aos seus crimes e contradições.
A irmã Fátima Guimarães, da “Pastoral Social”, ao ser instada sobre como se espalha o amor (lá veio o inevitável “no terreno” repetido três vezes no espaço de apenas vinte e dois segundos) explicou, com latim pelo meio, que visita reclusos com outros elementos da organização a que pertence para lhes comunicar que Deus os ama mesmo na condição em que se encontram, que podem recomeçar do zero, anuncia-lhes Jesus com alegria, e faz uma saudação da palavra. Depois “vamos para o sítio onde eles estão, vamos com a deles, entramos com a deles e saímos com a nossa” (sic).
A empresa portuguesa “Gelpeixe” veio mostrar a prenda que ia oferecer ao Papa: uma caixa com a assinatura de todos os funcionários contendo peixe congelado, já que o desenho de um peixe era a senha secreta usada pelos Cristãos para se identificarem em Roma durante as perseguições, e é também um símbolo de Portugal, tanto como descobridor de novos mundos como pescador. Bacalhau, polvo, sardinha e mariscada, já que o Papa é um grande apreciador de bacalhau. Marcelo Rebelo de Sousa interveio, mais uma vez, para dizer que aquela oferta era uma mostra da alegria que católicos e não católicos sentem por receber o Papa. Sempre a eterna mania que muita gente tem de falar em nome de todos. Aconteceu na nossa História recente com as chefias militares hoje conhecidas como “A Brigada do Reumático” que, com excepção dos generais Spínola e Costa Gomes, foram prestar juramento de fidelidade a Marcelo Caetano em nome de todas as Forças Armadas. Cerca de um mês depois deu-se o 25 de Abril!
E agora vou fazer um intervalo, tal como no programa “Pró-Papa". Assim, peço desculpa (o que a RTP há muito já não faz) por esta interrupção; o programa segue dentro de momentos!