24/02/2011

SERVILISMO E SAUDOSISMO

ACORDO ORTOGRÁFICO LUSO-BRASILEIRO


Como nota de abertura começo por dizer que não pretendo criticar o Português que os brasileiros utilizam no falar ou no escrever do dia a dia, embora me faça muita confusão os “pontapés” que dão na gramática, desde a não concordância dos substantivos com o género e o número, o tratamento por tu e você na mesma frase, ou a não observância de proximidade e afastamento dos pronomes demonstrativos. Também não me interessa que escrevam "muié", "peraí" e outras "deliciosas" palavras e frases que temos de ler na "internet". São apenas exemplos de um manancial de expressões que nada têm a ver com a gramática portuguesa, e que começaram a circular em Portugal com as telenovelas e, depois, com a chegada de emigrantes. Mas isso é lá com eles, e só confirma a tese do professor brasileiro quando afirmou que, dentro de algumas décadas, no Brasil falar-se-á uma língua derivada do Português. Concordo plenamente. Todas as línguas, aliás como tudo, têm sempre uma origem. Se lermos um Gil Vicente ou um Camões no Português das suas épocas, constatamos que está muito mais próximo do Castelhano do que o de hoje. Mas como lógico e prático que sou, nunca gostei de forçar os caminhos naturais da evolução. Não sou filólogo e até nunca fui forte em Gramática, estando muito mais virado para a Música e para as Ciências. Porquê, então, meter-me neste assunto? Simplesmente porque sempre procurei fazer as coisas o melhor que posso e sei, e defensor do princípio de que tudo deve ser bem feito ou, então, não vale a pena fazer. Isto, como é óbvio, aceitando o facto de que é muito difícil, senão impossível, estabelecer fronteiras entre o que é perfeito ou imperfeito. Declaro, também, que desde que aprendi a ler e escrever, sempre me fez confusão o motivo porque cada letra não há-de ter um só valor, e porquê gastar tinta com letras que não se lêem, já que é a fonética que determina a ortografia e não o contrário. É claro que esta hipótese não passa de um sonho, como explicou Carmo Vaz na sua obra “Linguística Para Todos”. Para isso temos os símbolos do Alfabeto Fonético Internacional, constantes em qualquer bom dicionário. Sei, ainda, que as razões etimológicas têm a sua natural força. Mas, e sempre que os vocábulos sofrem mudanças significativas na sua pronúncia, é óbvio que a entidade responsável, no nosso caso a Academias das Ciências, deve propor a actualização das respectivas grafias. A título de exemplo basta citar a facilidade com que se lê a língua alemã, e o “caos” que o conhecido conservadorismo inglês impõe à sua escrita. Costumo até dizer, por brincadeira, que os ingleses escrevem Sebastião José de Carvalho e Melo, mas lêem Marquês de Pombal! Foi por esta razão, e pela maneira enfática da sua fonética, aliás tão amada pelos portugueses, que me recusei a aprender Inglês, tendo feito o antigo 2º ciclo dos liceus com deficiência nessa disciplina. Mas, cada qual tem as suas próprias embirrações, e eu não sou excepção. Nasci em Lisboa em 1942 e, como oriundo da chamada classe média, deliciei-me com os livros de Júlio Verne e Emílio Salgari, além dos semanários juvenis “O Mundo de Aventuras” e “Cavaleiro Andante”. Fui, assim, confrontado com dois tipos de ortografia: a anterior ao acordo luso-brasileiro de 1945 (Júlio Verne), e a posterior nos outros casos. Para aumentar a confusão havia na casa dos meus pais uma edição do Diccionário Prático Illustrado” ou “Novo Diccionário Encyclopédico Luso-Brasileiro”, editado em 1944, e que ainda hoje consulto para saber como os diversos temas eram definidos na época e, também, tomar contacto com a ortografia coexistente com as obras de Júlio Verne, que continuam a fazer parte da minha biblioteca. Por outro lado, aquela edição tem a vantagem de apresentar um resumo do referido acordo e uma lista de todas as palavras cuja grafia foi alterada, aposto como apêndice para “corrigir” toda a ortografia usada nas suas mais de mil e setecentas páginas. Mas o mundo evolui e, por vezes, somos apanhados de surpresa nos momentos das maiores mudanças, aliás, muitas vezes necessárias. Porém, e pelo que li sobre o actual acordo, julgo poder concluir que enferma tanto de politiquice saloia como de saudosismo. E saudosismo de quê? Dos tempos áureos do Império que, se para uns é uma vergonha, como ensinam hoje às crianças, para outros é uma recordação dos tempos em que os livros nos impingiam que a nossa História era a mais linda de todas, e Portugal o mais belo país do mundo! Como sempre, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, e só aqueles que têm algum espírito de crítica sobre tudo o que acreditam, é que podem encontrar no eclectismo um pouco de paz para as suas dúvidas ou, ainda, como escreveu Fernando Pessoa, considerar que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto! Vem a propósito referir José Saramago que, em “O Ano da Morte de Ricardo Reis”, lamenta com o seu contundente amor pela veracidade dos factos, não ser bom português aquele que não fala outra língua melhor que a sua. Para confirmar basta ouvirmos os telejornais para constatar o “empenho” com que as palavras estrangeiras, normalmente inglesas, são pronunciadas, mesmo que já tenham sido aportuguesadas ou, o que é pior, quando nada têm a ver com a Inglaterra. Cito apenas os casos da ninfa Io, da cidade russa de Irkutsk e do astrónomo dinamarquês Tycho Brahe. Pasme-se, mas já ouvi a primeira ser denominada “Aiâu”, a segunda “Ârkâtsk e, o último “Táikâu” Brahe. Depois é frequente ouvirmos um chorrilho de asneiras de português, como a utilização de dois verbos no plural na mesma frase. Como José Saramago tem razão! (Para mais exemplos e outros assuntos relacionados solicito, a quem tiver pachorra, que consulte o meu blogue intitulado “O Suplício do Disparate”).

Hoje sou confrontado com a imposição de um acordo com um país que usa uma língua que, e como já referi, dentro de umas décadas será um idioma derivado do Português, deixando de haver, portanto o "português europeu" e o "português brasileiro". Porquê, então, este acordo? E um acordo não implica, necessariamente, concessões das várias partes envolvidas? Parece impossivel, mas até a letra "W", que nada tem a ver com com o nosso alfabeto de origem latina, vai ser introduzida na nossa ortografia, possivelmente porque os povos das ex-colónias a utilizam com o valor de "U" nos seus dialectos, como o quimbundo, por influência inglesa. (Exemplos: Malawi e Zimbabwe). E excluímos nós, no acordo de 1945, o "Y" outrora importado do alfabeto grego! Volto a insistir, na minha modesta opinião, que as razões principais são o politicamente (in)correcto e o saudosismo. Dezenas de países têm o Inglês como língua oficial; o Castelhano é falado nas Américas Central e do Sul (exceptuando o Brasil e Guianas) e nas Filipinas;o Francês nas antigas colónias africanas, em algumas Antilhas e na Polinésia Francesa. Que eu saiba nenhum destes países fez quaisquer acordos linguísticos, tão absurdos quão inúteis. E o Português? Mesmo que sejam precisas legendas para entender o Quimbundo, o Crioulo ou o Tétu, alguns pretendem manter o Portugal de Minho a Timor. Portanto, viva Fátima, viva o Futebol porque, afinal… TUDO ISTO É FADO!