SOCORRO!
QUEM NOS SALVA DOS ECONOMISTAS?
Esta noite tive um pesadelo. Vi a troika na sua verdadeira acepção da palavra, isto é, o carro
russo montado sobre esquis puxado por três cavalos. Mas, estes, para além de
serem homens, não emparelhavam bem no que respeito ao aspecto físico. Um, alto
e careca, tinha um ar patibular, outro a cor típica dos monhés e, o terceiro um
pouco rechonchudo de estatura média. Em comum, e em vez de arreios, tinham
pastas de cabedal recheadas de papeis referentes a acções, obrigações, títulos,
empréstimos, câmbios, juros, tesouro, produto interno bruto, IVA (Imposto
Validador das Aldrabices), IRS, IRC e todas essas trapalhadas que os economistas
inventaram para complicar a vida dos outros, e entreterem-se a calcular se são
precisas meia ou uma dúzia de galinhas para valerem um porco. E, o mais curioso
é que raramente estão de acordo uns com os outros, o que faz com que nenhum
resolve algo que se veja. Até os que ganharam o Prémio Nobel! (Quanto ao povo,
ora o povo. Deus ajuda quem tem fé!)
Por seu lado, o carro estava atascado de políticos,
deputados, corruptos, ladrões, militares do exército, trabalhadores com falsa
baixa médica, trabalhadores em greve por “dá cá aquela palha”, dirigentes sindicais, cronistas sociais,
traficantes e todos os outros parasitas da sociedade amontoados num delirante
bacanal ritmicamente marcado por guizos pendurados nas pastas e pescoços dos
três tipos que puxavam aquela carripana de perdição.
Atrás, com ar submisso de bom aluno e mão
estendida, implorava, o nosso venerando, sábio e excelentíssimo Presidente da
República, com a sua característica voz de asmático agora tão cavernosa que até
metia dó.
Mas, para completar este cortejo dantesco, numa
massa impossível de descrever, seguia a arraia-miúda de lusitanidade nascida ou
malparida, agitando-se numa confusão de ritmos de fado, fandango e,
principalmente, de chulas. À sua frente marchava, solene e altaneiro, um chefe.
Mas, não era a espada de D. Afonso Henriques que ele empunhava. Autêntica cópia
da figura do Zé-Povinho, tal como Rafael Bordado Pinheiro criou, fazia aquele
gesto tão gracioso que, por vezes, provoca mais efeito do que as mãos postas em
frente da estátua da chamada Virgem Maria que, passados quase dois mil anos,
ressuscitou e apareceu em Fátima num tipo de nuvem desconhecido dos
meteorologistas. As suas emanações pestíferas mataram uma pobre azinheira mas,
em compensação, continuam a fazer entrar muito dinheiro que, despois de
analisado pelos economistas, os políticos distribuem com a sua costumada
imparcialidade.
E, todo aquele abençoado povo, descendente de
santos e heróis, para não destoar dos puxadores da troika, arrastava consigo barris que, em vez de carrascão, estavam
também cheios de papeis. Estes, porém, tinham nomes diferentes, tais como,
dívida soberana, dívida pública, dívida externa, dívida bancária, dívida à
farmácia, dívida à mercearia, dívida ao chulo, enfim, dívidas de todos os tipos
e para todos os gostos.
Entretanto, a minha bexiga a abarrotar da santa e
omnipresente cerveja, deu sinal de alarme. Mal-humorado por ter de sair do
quentinho, e, depois de cumprida a missão de aliviar aquele órgão do seu
conteúdo exagerado, voltei a deitar-me. Pus-me de barriga para cima, posição em
que costumo entrar nas minhas meditações metafísicas, e a música das finanças
começa a martelar-me, de novo a cabeça, desta vez acordado: acções, obrigações,
juros, tesouro, dívida pública, dívida soberana, dívida externa, produto
interno bruto, etc. etc.
Enquanto isto soava dentro da minha pobre cabeça,
comecei a sentir uns estranhos formigueiros pelo corpo. As coisas começaram a
baralhar-se mais até que me fixei no chamado produto interno bruto. A brutalidade deste termo, obrigou-me a por
instintivamente a mão numa zona delicada do corpo, como que para a proteger.
Sem perceber porquê, lembrei-me ao mesmo tempo do gesto do Zé-Povinho!
Perto do delírio comecei a ver notas de banco a
voar, o chamado papel-moeda. Mas, se é papel, não pode ser moeda, pensei. E, se
pode, porque não há de haver moeda-papel?
E o ouro, esse elemento metálico que tem mais
valor do que os outros, embora haja muitos mais raros! Com as “injeções” de
Mandela que os telejornais, lembrei-me que a África do Sul está cheia dele, mas
está longe de ser um país rico. Pela minha parte prefiro uma boa feijoada, já
que o ouro deve ser muito indigesto. E até perde alguma graça pelo facto de não
provocar gases. Por outro lado os países árabes estão ricos graças ao petróleo,
crude, brent, ouro negro ou
como lhe quiserem chamar. Pelo menos, em termos do número de nomes, vale mais
que o ouro amarelo, embora também deva ser terrivelmente indigesto.
Tentei acalmar-me mas não consegui, pelo que
resolvi tomar um ansiolítico. Mas, enquanto não fazia efeito, apeteceu-me
gritar: acções, obrigações, títulos, câmbios, juros, empréstimos, dívida pública, dívida soberana, divida isto ou aquilo, cifrões, milhões, biliões de cifrões, o Produto Interno Bruto e…aaaa!!! Tive de correr para a casa de
banho, e, com uma tremenda explosão, livrei-me daquele famigerado produto! Nem
queria acreditar, mas era verdade!
Muito mais aliviado, voltei para o “quentinho” e deitei-me de barriga para baixo
como é meu hábito. Afinal é melhor pensar que tudo isto não
passou de um disparatado pesadelo num mundo disparatado, originado pelas
lavagens ao cérebro que são os malditos telejornais. Vou deixar de os ver
porque a paciência tem limites. É uma utopia, bem sei, mas o melhor é pensar e sonhar
que a realidade é outra.
Para mim, e dentro do possível, é muito mais
interessante e aprazível saber quando chega a Primavera!