A EUGENIA
Continuando como o tema que
intitulei “o grande fosso”, permito-me perguntar porque é que
ele existe e hoje, mais do que nunca, é mais profundo.
Já repararam que, pelo menos
nas épocas mais recentes e na Europa, nunca se ouve falar de fome,
greves, “coletes amarelos”, golpes de estado, ditaduras, etc. nos
países escandinavos? E que dizer da Suíça, que até conseguiu
manter-se neutral mesmo no centro dos dois grandes conflitos
mundiais? Passando agora para o outro lado do Atlântico, sabem
dizer-me o nome do primeiro-ministro do Canadá?
Acho que não; nem o daquele
país nem os da Austrália e da Nova Zelândia!
Parece, assim, que por
qualquer razão, há povos, raças ou etnias (como quiserem) que
sabem “arrumar a casa” e mantê-la nesse estado mesmo quando
sofrem a fúria dos elementos. Veja-se, também, o caso da Holanda,
com uma grande parte do seu pequeno território abaixo do nível do
mar. A capacidade de trabalho e organização dos Holandeses até deu
origem àquele ditado que diz que “Deus fez o mundo, e os
Holandeses fizeram a Holanda
Mas, o mais curioso, é que
esses países são considerados ricos, embora os recursos naturais
sejam escassos; por outro lado, os verdadeiramente ricos como o
Brasil e a Venezuela, Angola e outros países da África Negra, para
só mencionar estes, são considerados pobres!
Estas contradições
fizeram-me recordar o termo “eugenia”, criado no século XIX pelo
antropólogo Francis Galton. Baseado nas teorias de Darwin, aquele
termo que significa “bem nascido”, procura estudar as causas
sociais que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das
gerações futuras.
Já Platão, na sua
“República”, defendia o aperfeiçoamento da sociedade humana por
processos selectivos por eliminação dos deficientes que teve como
pontos culminantes a sociedade espartana e, no século XX, o nazismo
alemão.
Sem querer defender de modo
algum esse tipo de sociedades, há coisas que me dão que pensar
tendo como exemplo a Civilização Ocidental. Não que esta tenha
atingido o nível que conhecemos por processos impostos mas,
outrossim, por qualquer causa, repito, que a levou a chegar à Lua e
a enviar naves não tripuladas para lá do sistema solar.
Mas, deixemos as viagens
espaciais e falemos de música, já que esta é o campo onde me sinto
à vontade, e à qual dediquei toda a minha vida profissional.
Entre as várias Histórias da
Música que possuo, há uma adquirida nos meus tempos de estudante e
que tem por título “História da Música Europeia”.
Pode-se, assim, perguntar se
só existe música na Europa, votando ao ostracismo os outros
continentes. A resposta é simples e é explicitada pelo próprio
autor (Jacques Stehman) no início da obra: “A história que aqui
vamos evocar é da música europeia.
Devemos considerar haver nisto alguma injustiça? Não, não há; a
música existe em todos os países não europeus, desde a
Antiguidade, segundo duas tendências frequentemente paralelas: ou
evolui , torna-se erudita, inspirando-se finalmente na técnica
ocidental, ou, fiel às suas tradições religiosas e populares,
permanece ritual e primitiva”.
É claro que sobre este
assunto poderia dissertar sobre música dos chamados primitivos
actuais, sobre o Koto
japonês,
as Ragas
indianas,
as escalas pentatónicas do Oriente e a música que os escravos
negros trouxeram para os Estados Unidos onde, misturados com as
técnicas e instrumentos dos brancos, deram origem aos espirituais,
ragtimes e blues.
Tudo
isto estará muito certo mas o facto é que um Gesualdo, um
Palstrina, um Monteverdi, um Bach, um Mozart, um Beethoven, um
Tchaikovsky, um Wagner, um Debussy, um Stravinsky, um Chostakovitch,
um...bolas! (Perdoem-me o desabafo mas, com o entusiasmo ficava para
aqui a citar dezenas de nomes) só surgiram na Europa. E o mais
curioso é a incrível quantidade de maestros, pianistas,
violinistas, etc. que começaram a aparecer no século passado a
interpretar a música ocidental, e que hoje podemos ver e ouvir no
youtube, principalmente
japoneses, chineses e sul-coreanos!
Mas,
se recuarmos no tempo, poderemos facilmente aquilatar do poder da
Civilização Ocidental. Os exemplos são muitos, e começarei pela
Rússia.
O
czar Pedro (dito o Grande) disfarçou-se de carpinteiro e trabalhou
na construção de navios na Holanda, para dotar o seu país de uma
frota segundo as técnicas do Ocidente.
Também
a czarina Catarina II, teve como principal preocupação
ocidentalizar a Rússia. E, já que mencionei aquela governante, não
resisto a contar um história que, infelizmente, a maioria dos
portugueses desconhece. Sabem quem foi Luísa Todi, que tem uma
estátua em Setúbal e dá o nome ao Forum Municipal daquela cidade?
Eu explico: Luísa Rosa de Aguiar (o apelido Todi provem do marido
Francesco Saverio Todi, compositor e violinista napolitano) foi uma
das maiores cantoras líricas portuguesas. Nasceu a nove de Janeiro
de 1753 em Setúbal, e faleceu no dia um de Outubro de 1833.
A
sua fama internacional chegou de tal modo a São Petersburgo, então
capital da Russia, que Catarina II a convidou para cantar na sua
corte. Naquela cidade, para onde se deslocou com o marido e filhos,
permaneceu quatro anos, tendo sido presenteada com joias de grande
valor.
No
seu regresso, o imperador Frederico Guilherme II da Prússia
hospedou-a com a família no seu palácio, tendo-lhe posto ao seu
serviço uma carruagem e cozinheiros próprios e pago um caché
principesco.
E,
o que é feito das joias, perguntarão os meus leitores? Em 1809
dá-se a Segunda Invasão Francesa de Portugal comandada pelo
marechal Soult. Uma vez tomada a cidade do Porto, a população
aterrada foge para a outra margem do Douro através da única ligação
existente: uma ponte que se apoiava sobre uma série de barcas
alinhadas, e por isso denominada Ponte das Barcas. A estrutura cedeu
sob o peso dos fugitivos, tendo-se registado cerca de quatro mil
mortos. Luísa Todi, que trazia as joias numa mala, conseguiu escapar
mas, na confusão, a mala caiu no Douro tendo-se perdido para sempre.
Pelo menos, esta é a versão oficial.
E,
depois deste esclarecimento, atacou-me a costumada preguiça, pelo
que vou ficar por aqui. No próximo artigo continuarei com o mesmo
tema. Assim, o programa segue dentro de momentos...