08/06/2019


A EUGENIA


Continuando como o tema que intitulei “o grande fosso”, permito-me perguntar porque é que ele existe e hoje, mais do que nunca, é mais profundo.
Já repararam que, pelo menos nas épocas mais recentes e na Europa, nunca se ouve falar de fome, greves, “coletes amarelos”, golpes de estado, ditaduras, etc. nos países escandinavos? E que dizer da Suíça, que até conseguiu manter-se neutral mesmo no centro dos dois grandes conflitos mundiais? Passando agora para o outro lado do Atlântico, sabem dizer-me o nome do primeiro-ministro do Canadá?
Acho que não; nem o daquele país nem os da Austrália e da Nova Zelândia!
Parece, assim, que por qualquer razão, há povos, raças ou etnias (como quiserem) que sabem “arrumar a casa” e mantê-la nesse estado mesmo quando sofrem a fúria dos elementos. Veja-se, também, o caso da Holanda, com uma grande parte do seu pequeno território abaixo do nível do mar. A capacidade de trabalho e organização dos Holandeses até deu origem àquele ditado que diz que “Deus fez o mundo, e os Holandeses fizeram a Holanda
Mas, o mais curioso, é que esses países são considerados ricos, embora os recursos naturais sejam escassos; por outro lado, os verdadeiramente ricos como o Brasil e a Venezuela, Angola e outros países da África Negra, para só mencionar estes, são considerados pobres!
Estas contradições fizeram-me recordar o termo “eugenia”, criado no século XIX pelo antropólogo Francis Galton. Baseado nas teorias de Darwin, aquele termo que significa “bem nascido”, procura estudar as causas sociais que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das gerações futuras.
Já Platão, na sua “República”, defendia o aperfeiçoamento da sociedade humana por processos selectivos por eliminação dos deficientes que teve como pontos culminantes a sociedade espartana e, no século XX, o nazismo alemão.
Sem querer defender de modo algum esse tipo de sociedades, há coisas que me dão que pensar tendo como exemplo a Civilização Ocidental. Não que esta tenha atingido o nível que conhecemos por processos impostos mas, outrossim, por qualquer causa, repito, que a levou a chegar à Lua e a enviar naves não tripuladas para lá do sistema solar.
Mas, deixemos as viagens espaciais e falemos de música, já que esta é o campo onde me sinto à vontade, e à qual dediquei toda a minha vida profissional.
Entre as várias Histórias da Música que possuo, há uma adquirida nos meus tempos de estudante e que tem por título “História da Música Europeia”.
Pode-se, assim, perguntar se só existe música na Europa, votando ao ostracismo os outros continentes. A resposta é simples e é explicitada pelo próprio autor (Jacques Stehman) no início da obra: “A história que aqui vamos evocar é da música europeia. Devemos considerar haver nisto alguma injustiça? Não, não há; a música existe em todos os países não europeus, desde a Antiguidade, segundo duas tendências frequentemente paralelas: ou evolui , torna-se erudita, inspirando-se finalmente na técnica ocidental, ou, fiel às suas tradições religiosas e populares, permanece ritual e primitiva”.
É claro que sobre este assunto poderia dissertar sobre música dos chamados primitivos actuais, sobre o Koto japonês, as Ragas indianas, as escalas pentatónicas do Oriente e a música que os escravos negros trouxeram para os Estados Unidos onde, misturados com as técnicas e instrumentos dos brancos, deram origem aos espirituais, ragtimes e blues.
Tudo isto estará muito certo mas o facto é que um Gesualdo, um Palstrina, um Monteverdi, um Bach, um Mozart, um Beethoven, um Tchaikovsky, um Wagner, um Debussy, um Stravinsky, um Chostakovitch, um...bolas! (Perdoem-me o desabafo mas, com o entusiasmo ficava para aqui a citar dezenas de nomes) só surgiram na Europa. E o mais curioso é a incrível quantidade de maestros, pianistas, violinistas, etc. que começaram a aparecer no século passado a interpretar a música ocidental, e que hoje podemos ver e ouvir no youtube, principalmente japoneses, chineses e sul-coreanos!
Mas, se recuarmos no tempo, poderemos facilmente aquilatar do poder da Civilização Ocidental. Os exemplos são muitos, e começarei pela Rússia.
O czar Pedro (dito o Grande) disfarçou-se de carpinteiro e trabalhou na construção de navios na Holanda, para dotar o seu país de uma frota segundo as técnicas do Ocidente.
Também a czarina Catarina II, teve como principal preocupação ocidentalizar a Rússia. E, já que mencionei aquela governante, não resisto a contar um história que, infelizmente, a maioria dos portugueses desconhece. Sabem quem foi Luísa Todi, que tem uma estátua em Setúbal e dá o nome ao Forum Municipal daquela cidade? Eu explico: Luísa Rosa de Aguiar (o apelido Todi provem do marido Francesco Saverio Todi, compositor e violinista napolitano) foi uma das maiores cantoras líricas portuguesas. Nasceu a nove de Janeiro de 1753 em Setúbal, e faleceu no dia um de Outubro de 1833.
A sua fama internacional chegou de tal modo a São Petersburgo, então capital da Russia, que Catarina II a convidou para cantar na sua corte. Naquela cidade, para onde se deslocou com o marido e filhos, permaneceu quatro anos, tendo sido presenteada com joias de grande valor.
No seu regresso, o imperador Frederico Guilherme II da Prússia hospedou-a com a família no seu palácio, tendo-lhe posto ao seu serviço uma carruagem e cozinheiros próprios e pago um caché principesco.
E, o que é feito das joias, perguntarão os meus leitores? Em 1809 dá-se a Segunda Invasão Francesa de Portugal comandada pelo marechal Soult. Uma vez tomada a cidade do Porto, a população aterrada foge para a outra margem do Douro através da única ligação existente: uma ponte que se apoiava sobre uma série de barcas alinhadas, e por isso denominada Ponte das Barcas. A estrutura cedeu sob o peso dos fugitivos, tendo-se registado cerca de quatro mil mortos. Luísa Todi, que trazia as joias numa mala, conseguiu escapar mas, na confusão, a mala caiu no Douro tendo-se perdido para sempre. Pelo menos, esta é a versão oficial.
E, depois deste esclarecimento, atacou-me a costumada preguiça, pelo que vou ficar por aqui. No próximo artigo continuarei com o mesmo tema. Assim, o programa segue dentro de momentos...