27/03/2021

 CONFINAMENTO MUSCULADO!


No meu tempo (todas as gerações dizem o mesmo), apareciam sempre uns neologismos que se tornavam moda, mas acabavam por caír no esquecimento.
Quem não se lembra do adjectivo “baril” e das frases “já vais aí”, “até choras para andar de Lambretta”, “lá mais para o Verão”, “ainda lá chegas hoje”, 
“ó sorte malvada” e, ainda a designação de “flausinas” e baubaus” como referência aos meninos e meninas “bem”, palavra que também os qualificava socialmente.
É claro que tudo isto tinha algo de gíria, o que não impedia que – e agora falando mais a sério – os neologismos fossem surgindo para ficar; isto aconteceu desde sempre porque, como é óbvio, as línguas não são estáticas quer na fonética, na morfologia e na sintaxe.
Porém, uma das grandes riquezas da Língua Portuguesa é a enorme quantidade de sinónimos, frases idiomáticas e maneiras diferentes de dizer a mesma coisa.
Mas, não vou alongar-me mais. Esta matéria pertence aos linguistas, mesmo aos traidores que elaboraram o famigerado acordo ortográfico e introduziram a pretice “bué”  no nosso idioma, como se não existisse a palavra “muito”.
O que me irrita é ouvir continuamente repetir a mesma palavra ou frase ao longo do texto; sobre este assunto já escrevi alguns artigos, nos quais me referi às pessoas que não são capazes de arranjar sinónimos chamando-lhes papagaios porque, uma vez ouvida uma “nova” palavra, passam a repeti-la como se não houvesse sinónimos.
Alguns exemplos:
MUSCULADO, como perguntou um jornalista a António Costa referindo-se ao grau de confinamento (mais outra palavra que já cansa ouvir). Até o Presidente da República já utilizou a musculatura a respeito já não se de quê; deve ter sido, também, sobre o recolhimento, encerramento, isolamento, privação de poder dar umas passeatas para a alegria dos cães que passaram a ir dez vezes à rua para regar as árvores...numa palavra: CONFINAMENTO!.
SUSTENTÁVEL e a sua derivada SUSTENTABILIDADE!. 
VIRAL! Esta julgo que tem origem o Brasil, donde vêm os mais incríveis neologismos, para não falar dos nomes próprios que, por si só, constituem um incomparável manancial de boa disposição; valha-nos isso.
RESILIÊNCIA! No que respeita a esta “novidade” (que é tão “nova” que até provém do latim) sou capaz de apostar que a maioria dos portugueses desconhece o seu significado.
ASSERTIVO! Mais outro palavrão desenterrado do latim.
LINHA DA FRENTE! Faz-me recordar a minha ida “aos guerra no N’Gola” e onde tive a sorte de ter tido quase sempre “bué” de garrafas de cerveja à minha frente.
WASHINGTON D(i) C(i)! Que bem que soa o nome da capital dos Estados Unidos da América pronunciado assim. É que como somos todos ignorantes, evita-se a confusão entre aquela cidade e o estado do mesmo nome situado na costa ocidental daquele país. Até que temos de convir que soa muito melhor, quanto mais não seja por ser um nome inglês. Pena é que não contenha nenhum “r” para ouvirmos uma vaca espanhola a mungir com uma batata quente na boca. (peço desculpa por abordar outra vez esta comparação).
POPULISMO! Esta começou a estar na moda após André Ventura ter entrado na política. E bem falta fazia para sacudir o marasmo de compadrio e corrupção que reinam em Portugal. Como disse Marques Mendes, foi ele o grande vencedor das eleições presidenciais. Pela minha parte, porém, receio que seja mais um Sócrates (o português) a juntar às quadrilhas que nos têm governado para orientar as suas vidinhas.
AERONAVE! Embora não esteja errada, trata-se de mais uma brasileirice que está a matar a palavra avião. De facto, balões, helicópteros, aviões, foguetes e agora os “drones” são tudo máquinas voadoras. Mas, em Portugal, desde o início da aviação, e como o francês estava na moda, instalou-se rapidamente a palavra avião, derivada de “avion”. Esta designação foi dada por um dos “Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras” (quem não viu este filme?), o francês Clement Ader que a foi buscar ao latim “ave”. A título de curiosidade, acrescento que aquele “maluco” morreu velho, talvez por o seu “avion”, movido a vapor, só ter conseguido dar uns pequenos saltos nos “voos “ de demonstração. 
EXPECTÁVEL! Como era de esperar, ou “expectável”, é mais uma imitação vinda do Brasil.
TER CERTEZA! (idem). Falta o artigo definido. 
ARRASTO! (idem). Em Portugal diz-se atrito.
CRUCIAL! (idem). Seria interessante usar, uma vez por outra, a palavrafundamental, só para variar.
LETAL. (idem). O abuso deste adjectivo matou os termos mortal e mortífero.
PROGENITOR(A). Quem trabalha na empresa de traduções audio-visuais“Moviola”, parece desconhecer as palavras pai e mãe. É comum assistirmos a um desses maravilhosos documentários sobre a Natureza, e termos de ler o progenitor ou a progenitora (até por duas vezes na mesma frase) durante todo o documentário.
E fico por aqui para não tornar esta lenga-lenga musculada. Por isso, e já que palavras como debate, discussão, em análise, etc. resolveram saltar para “cima da mesa”, deixo esta questão a quem me lê também EM CIMA DA MESA.

PS. Uma curiosidade: há dias ouvi na TV uma senhora francesa referir-se ao trabalho em casa como sendo on ligne. Engraçado, não é?
E, já agora, mais outra: já repararam no pleonasmo inventado pela jornalista Clara de Sousa? Trata-se, simplesmente, de “TOTAL GLOBAL”. E esta, hem? como dizia Fernando Pessa.