19/02/2014

SEBASTIÃO DEL CANO? NUNCA OUVI FALAR!

FERNÃO DE MAGALHÃES? NÃO ME DIZ NADA!

Estes são os “deliciosos” comentários de uma professora, julgo que de línguas, no concurso “Quem quer ser milionário” transmitido no canal-1 da RTP no passado dia 14 de Fevereiro.
A pergunta era esta: “Quem foi o português, ao serviço da Espanha, que comandou a primeira viagem de circum-navegação”? 
As hipóteses eram, como de costume, quatro: Sebastião del Cano, Fernão de Magalhães, Diogo Cão e Vasco da Gama.
A douta professora começou logo por dizer que nunca tinha ouvido falar no primeiro; quanto ao segundo, declarou que o nome nada lhe dizia, e de Diogo Cão nem falou. Quanto a Vasco da Gama sabia, apenas, que não fora ao serviço da Espanha. (É de perguntar se sabe quem foi que descobriu o caminho marítimo para a Índia).
Enquanto a docente raciocinava para responder correctamente a tão difícil pergunta, Manuela Moura Guedes parecia querer disfarçar a sua incredibilidade com uma expressão da grande profissional que é.
Depois de muitos raciocínios, a professora chegou a mencionar o Estreito de Magalhães. Mas, saberá onde fica? Tanta ginástica mental lembrou-me o único raciocínio lógico que Obélix conseguiu fazer em todas as suas aventuras (para os fans de Astérix, ver a página 23 de “La Grande Traversée” [A Grande Travessia]). A diferença residiu em não ter deitado fumo, como o gordo gaulês, provocado pelos curtos-circuitos dos neurónios.
Por fim, e após ter repetido várias vezes que nunca tinha ouvido falar em Sebastião del Cano, lá concluiu, por exclusão de partes, que fora Fernão de Magalhães. 
Os meus mais sinceros parabéns! Só foi pena que Manuela Moura Guedes não tivesse dado um lição a essa senhora, explicando porque o “desconhecido” navegador espanhol também é
lembrado nessa primeira viagem de circum-navegação.
Mas vieram mais duas perguntas de cultura geral que atrapalharam a professora, embora tenha conseguido acertar, como na anterior, após muitos raciocínios confusos e demorados.
Primeira: As auroras, boreais e austrais, são devidas a: asteroides, magnetismo, satélites de outros planetas, ou buracos negros?
Perante esta pergunta que, aliás, é um pouco especializada, revelou, no entanto, o seu desconhecimento básico do assunto. Interiormente divertida, Manuela Moura Guedes perguntou-lhe o que responderia a um aluno se a interrogasse sobre o que era um buraco negro.
Naturalmente, respondeu: “diria que é um buraco negro”. 
- "E se ele perguntasse o que era um buraco branco?" 
- “Diria que é um buraco negro!”
Depois deste jogo de palavras, que quero acreditar não ter passado disso mesmo, a apresentadora perguntou: "já viu alguma aurora?" 
Por entre mais trocadilhos engraçados (haja Deus) disse que não sabia, mas que eram comuns nos países do Norte. O problema estava nas auroras austrais. Para ajudar a evitar mais confusões (ignorância?), Manuela fez um gesto com as mãos para mostrar polos opostos. Perante isto, a concorrente perguntou se eram duas coisas que se encontravam no meio. Finalmente, e mais uma vez por exclusão de partes, lá acertou no magnetismo.
Segunda: o país mais pequeno do mundo, uma ilha, é: Madagáscar, Arménia, Nauru ou Jamaica?
É claro que não pretendo que alguém saiba que a resposta é Nauru.
Embora, e desde criança, eu seja um apaixonado por geografia, não sabia que era o mais pequeno (em população).  Não ignorava, porém, que faz parte da Micronésia, grande grupo de ilhas dispersas pelo Pacífico Sul.
Depois de após longo raciocínio ter eliminado Madagáscar e Jamaica pelas suas dimensões, e mostrar espanto sobre o que seria a Micronésia, lá acertou na resposta, parecendo que desconhece que a Arménia não é uma ilha. Nem deve saber onde fica esse país nem o ressentimento que ainda hoje o seu povo mantém pelo massacre feito pelos Turcos no primeiro quartel do século XX, e nos últimos tempos recordado na Comunicação Social. Ou, ainda, que só recobrou a sua independência após a queda da União Soviética.
Se eu fosse o apresentador do concurso, decerto teria estragado a minha carreira porque seria difícil conter-me perante a ignorância de quem tem a obrigação de ter um mínimo de cultura geral. 
Não sei quais foram os motivos (falsos ou verdadeiros) que levaram a censura da ditadura-democrática em que vivemos a afastar durante tanto tempo Manuela Moura Guedes da sua vida profissional. Mas, para uma pessoa que não tem papas na língua, conseguiu manter-se séria.
Lembro-me de há alguns ela ter corrigido o português de um (uma) Secretário de Estado da Cultura, com esta frase: “e é isto um (uma) Secretário da Cultura; mas eu corrijo."  E corrigiu!
A terminar, sugiro à digníssima “sotôra” que aprofunde os seus conhecimentos antes de se apresentar em público, e não repreenda os seus alunos se estes gozarem, com o devido respeito, é claro, a triste figura que fez. E que nunca falte às manifestações contra a avaliação dos professores porque, e citando o velho provérbio ao contrário, “quem deve teme”!

Nota para os “coca-bichinhos” como eu:
Indonésia, Micronésia, Polinésia e Melanésia, são grupos de ilhas do oceano Pacífico cujos nomes significam, respectivamente, ilhas indianas, pequenas ilhas, muitas ilhas e ilhas de pretos.
As etimologias são as seguintes:
O prefixo “indo” deriva do latim e refere-se à Índia e tudo com ela relacionado. Os outros três, “micro”, “poli” e “mela” provêm do grego mikós (pequeno) poly (muitos) e ”mélanos” (preto). O sufixo “nésia” também procede do grego nêsos (ilha, península).
Sebastião del Cano: navegador espanhol que assumiu o comando da primeira viagem à volta da Terra, após a morte de Fernão de Magalhães em combate com os indígenas nas Filipinas.

E a propósito:
Quem se lembra de o Pedro Santana Lopes, ex-Secretário de Estado da Cultura, afirmar que gostava dos “concertos para violino” de Chopin?...


06/02/2014

TSUNAMI

ONDA GIGANTE, MARÉ GIGANTE, MAREMOTO OU RAZ DE MARÉ?


Acabo de receber imagens, enviadas por um amigo, de um tsunami num rio do Japão. Não vi, como esperava, nenhuma “onda gigante”. Esta talvez não chegasse a um metro de altura, mas os estragos que provocou foram devastadores, coisa que uma onda, por maior que seja, pode provocar. Mas, a comunicação social é fértil em falar de “ondas gigantes”, quer se trate das provocadas por um sismo submarino ou das que, na praia da Nazaré, brindam os surfistas.
Mas, então, porque é que estas últimas estão muito longe, felizmente, de provocar uma catástrofe? 
Vamos a factos concretos.
Uma onda é uma vibração que atravessa qualquer corpo sólido, líquido ou gasoso. As moléculas dão um “coice” umas nas outras, mas ficam sempre no mesmo sítio. Toda a gente que toma banhos de mar sabe que, para lá da rebentação, subimos e descemos sobre as ondas, mas continuamos onde estamos. O movimento é apenas vertical. O que faz cair (rebentar) a onda, é o atrito que as moléculas que estão junto ao fundo sofrem, diminuindo a sua velocidade que não é acompanhada pelas que estão em cima. Gera-se, assim, uma sucessão de travagens que faz com que a onda desenhe aquela curva tão característica. Depois dá-se a “explosão” à medida que as partes superiores encontram um obstáculo sólido, seja areia ou rocha.
No primeiro caso, e conforme a extensão e inclinação da praia, bem como a altura da onda, esta progride em maior ou menor distância, recuando logo a seguir.
Quanto ao tsunami, cujo étimo japonês quer dizer “onda no porto” e não gigante, é provocado por um desnivelamento dos fundos marinhos que, por vezes, acompanham os sismos subaquáticos. O que importa é a maré que resulta desse desnivelamento e não as ondas, maiores ou menores, que a precedem. Estas são empurradas pela maré que, a uma velocidade muitíssimo maior das marés normais, progridem como resultado do princípio físico dos vasos comunicantes. Foi isto que aconteceu em Lisboa aquando do terramoto de 1955. Toda a gente pode ver as inúmeras imagens que circulam na internet e, se repararem bem, nenhuma onda se compara às da Nazaré.
Quanto ao uso (e abuso) da palavra tsunami, que se popularizou após a catástrofe que atingiu a Indonésia e outros países em 2011, declaro que sou neutro, apesar de ter aprendido a designar o fenómeno por raz de maré, como consta nas “Lições de Geologia” do antigo terceiro ciclo dos liceus. Isto é uma resposta às críticas que tenho recebido por causa da minha aversão aos neologismos e provo, assim, que não sou tão fundamentalista como dizem. Eles só enriquecem as línguas e as relações entre os povos. Odeio, sim, é a “snobeira” com que muita gente e a maioria do comércio gostam de se exibir, com os fast-food, take-away, resort, call-center, e um nunca mais findar de anglicismos inúteis que emporcalham a nossa língua, ignorando que existem os equivalentes no nosso idioma. Em criança tive de aturar os galicismos, agora tenho de suportar aqueles e, talvez ainda viva o suficiente para ver a invasão do mandarim, quanto mais não seja por ser moda.

Nota para os curiosos:
Se quiserem verificar o movimento ondulatório nos corpos sólidos, façam a seguinte experiência: ponham duas moedas bem encostadas uma à outra sobre uma mesa. Com um dedo, segurem firmemente uma delas. Depois, atirem uma terceira moeda de encontro à que não está segura com o dedo. As ondas de choque vão propagar-se através da moeda fixa e empurrar a que está encostada, que se detém logo que perde a energia recebida. Simples, não é? Pois isto é que é uma onda!