Os Deuses vendem quando dão.
Compra-se a glória com desgraça.
Ai dos felizes, porque são
Só o que passa!
(Fernando Pessoa in “Mensagem”)
Finalmente,
aqui está o meu comentário sobre o artigo que publiquei em Abril. Desta vez não
vou deixar que a cerveja, a canonização de novos santos ou as asneiras que se
dizem na RTP (esta última será o alvo do próximo artigo) me impeçam de cumprir
o prometido.
Durante
o tempo que levo até conseguir adormecer, em vez de ler qualquer coisa
disparatada como a lista telefónica, deu-me, mais uma vez, para folhear o
“Resumo da História de Portugal” da autoria de Tomás de Barros, e oficialmente aprovado
pelo regime do Estado Novo (edição de 1948).
Comprei-o há poucos anos, juntamente com outros livros escolares
da época em que nasci e onde aprendi o que, oficialmente, se ensinava na
instrução primária e no liceu.
Eram
os chamados livros únicos que depois de examinados e censurados, eram
definitivamente aprovados pelo Ministério da Educação Nacional.
Em
boa hora foram reeditados para o saudosismo de velhos como eu, para
conhecimento da juventude actual (se é que esta quer saber alguma coisa do
tempo em que os pais viveram) e, principalmente, para historiadores não
facciosos.
A
sua leitura é imensamente pedagógica no aspecto em que, se por um lado mostra a
realidade da vida portuguesa naquela época onde havia ordem e respeito, por
outro, como se contornava e deturpava a verdade histórica, não fosse esta ofender
a “moral e os bons costumes”, a doutrina básica do Estado Novo baseada na
trilogia “Deus, Pátria e Família”.
Hoje,
e apesar da propaganda anti-salazarista primária que surgiu após a revolução de
25 de Abril, e da qual fui um grande entusiasta como quase todos os
portugueses, começo a olhar para trás e a compreender porque a História só se escreve
anos depois dos acontecimentos e, na maioria dos casos, se repete.
Ao
abrir ao acaso as primeiras páginas referentes à Fundação de Portugal, recordei
factos que éramos obrigados a saber de cor e papaguear nos exames das terceira
e quarta classes, bem como no de admissão aos liceus.
Decorava-se,
repetia-se, e nem nos passava pela cabeça imaginar como a trilogia atrás
referida podia justificar as lutas entre familiares para alcançar o poder sob a
vigilância de um Deus que protegia alguns em detrimento de outros.
Bastava
saber de cor nomes, datas e locais e não fazer perguntas incómodas. Além disto,
ainda havia a obrigação de decorar as montanhas, os rios e seus afluentes e as
linhas de caminhos-de-ferro, tanto em Portugal Continental como nas Colónias e
Ilhas Adjacentes. Aliás, era este o título que encabeçava o mapa do Portugal da
época, afixado junto ao quadro preto e acompanhado por uma cruz e as
fotografias de Salazar e do presidente Óscar Carmona. Vieram, depois, as de
Craveiro Lopes e Américo Thomás, mas a de Salazar permanecia como se fosse
eterna.
Todas aquelas lutas, fosse entre pais e filhos, irmãos,
sogros e genros e outros graus de parentesco, a que se juntavam os filhos ditos
bastardos ou naturais, eram “engolidos” com uma única justificação: o nome de
Portugal, pátria de santos e heróis cuja História era a mais bela de todas!
Mas
se não se podia explicar o que eram filhos bastardos ou naturais, o autor Tomás
de Barros arranjou uma engenhosa maneira de contornar a definição de amante.
Refere-se ao conde Fernão Peres de Trava como receptante
dos favores de Dona Teresa, mãe de D. Afonso Henriques. E sobre
estes ou qualquer outro pormenor mais delicado, não havia que fazer perguntas;
até porque o professor poderia ficar embaraçado e, na melhor das hipóteses,
mostrar apenas a régua.
E,
depois, havia os moiros que, não tendo abraçado a fé cristã como os Visigodos,
eram classificados de Infiéis. Era
motivo suficiente para lhes roubar as terras que eles, por sua vez, tinham
roubado aos que já estavam na Península Ibérica depois de os vencidos terem
feito o mesmo aos que já lá se
encontravam,
e...etc, etc! Uma variante da conhecida interrogação sobre quem apareceu
primeiro: o ovo ou a galinha.
E
continuei a folhear o livro, parando aqui e ali, como no episódio de D. Pedro I
e Inês de Castro, em D. Sebastião e Alcácer-Quibir ou no assassinato de D.
Carlos e de seu filho, poucos anos depois seguido pelo do presidente Sidónio
Pais.
Curioso
por recordar tantos factos históricos, mas indiferente a toda a série de crimes
que a ânsia do poder, a cobiça e a cupidez tornam o ser humano o maior inimigo
de si próprio, voltei atrás e detive-me na parte que dá início à era dos Descobrimentos.
Aí, pode ler-se: “Portugal sentia necessidade de expandir-se”. “Os filhos mais
velhos de D. João I, D. Duarte, D. Pedro e D. Henrique, querendo mostrar o seu
valor militar, resolveram continuar a luta contra os moiros, em África. Por
isso, lembraram ao pai a conquista de Ceuta, cidade muçulmana, rica e
importante, no norte daquele continente”. (sic)
Isto
recordou-me um facto ocorrido durante a Segunda Guerra Mundial, quando Winston
Churchill, primeiro-ministro do Reino-Unido, se encontrou com Theodore Roosevelt,
presidente dos Estados Unidos da América, na Terra Nova em 1941.
À
rasca com o bloqueio que os submarinos alemães impunham à sua ilha, e que quase
fez os Ingleses morrerem de fome, a ideia de Churchill era convencer Roosevelt
a entrar na guerra ao lado dos Aliados.
Há
um relato de Elliot Roosevelt, filho do presidente que assistiu à reunião, e do
qual faço o seguinte resumo: “a certa altura o meu pai fez referência ao
Império Britânico e à exploração desses territórios pelos Ingleses sem qualquer
contrapartida”.
“Contrapondo
à resposta de Churchill que esses territórios eram intocáveis, pois pertenciam à
Coroa Britânica, o meu pai deu a entender que era isso que a Alemanha (Hitler) estava
a fazer na Europa”. (texto adaptado).
Quando
recordo este episódio interrogo-me porque é que Churchill não lhe atirou à cara
o massacre e quase extinção dos índios, comparável à dos judeus, com a única
diferença de os métodos utilizados serem outros. Mas, como sabemos, os alemães
são um povo altamente industrializado, e, por isso,
utilizaram
as câmaras de gás. Estas tinham a grande vantagem de não fazer feridos ou
derramar sangue, coisa que horrorizava Himmler, o chefe da polícia política
nazi.
Assim,
os dois “geniais” políticos, um a pedir socorro e o outro a hesitar na ajuda,
teriam ficado empatados, o que não alteraria em nada a máxima que diz: “fazer a
guerra para conseguir a paz”; e eu troco esta sequência dizendo: fazer a paz
para conseguir a guerra. É outro empate, embora bastante mais pacífico, já que
se trata de um simples jogo de palavras.
Quando
se lê um livro de História, do princípio ao fim só encontramos alusões a
guerras, batalhas, massacres e usurpações festejadas pelos vencedores, e
despertando o sentimento de vingança nos vencidos. Esta, se possível, não
tardará
a realizar-se, e, de ambos os lados, haverá sempre heróis, por mais ou menos
crimes que tenham cometido.
Mas a memória e a ignorância dos homens são curtas. Além disto
existem uns pândegos que se incriminam, a si e aos da sua raça (perdão, etnia!),
arranjando justificações para tudo e acreditando que todos os homens são
iguais.
Citemos,
por exemplo, o caso da África. Esses esclarecidos analistas da História, dizem
que os conflitos existentes na África se devem ao facto de os brancos terem
feito fronteiras “à régua”. É verdade. Mas, será que aqueles povos viviam num
autêntico Eldorado antes da chegada dos Europeus? Por
favor:
não brinquem comigo.
Quando
começou o comércio esclavagista, eram os próprios sobas que vendiam os seus
súbditos aos negreiros a troco de algumas missangas, espelhos ou chapéus-de
chuva. E, foi preciso ter estado em Angola na Guerra Colonial, paracompreender
muitas coisas. Hoje, e apesar de ter tentado fugir a esse conflito, não estou
nada arrependido de ter participado nele. Isso dá-me o direito de falar porque
estive no local, ou “no terreno”, como agora se diz.
Aos
tais pândegos “de biblioteca”, proponho a seguinte questão: será que o “Tratado
de Versalhes”, que pôs fim à Primeira Guerra Mundial não fez o mesmo na Europa?
Desmembrou
o Império Austro-Húngaro, já de si uma amálgama de povos, línguas e cultura,
para reuni-los em novas fronteiras. Foi dar de mão beijada o pretexto a Hitler para
desencadear, pouco mais de vinte anos depois, a Segunda Guerra Mundial.
E
isto apesar de os políticos, horrorizados com as primeiras imagens que o cinema
realizou no teatro da guerra, terem declarado: “uma loucura destas nunca mais
se repetirá!”
Viu-se
e continua a ver-se que nem com as mais violentas imagens de morte e destruição
hoje acessíveis a todos, o homem não consegue viver em paz. Não passamos de
seres vivos tais como os outros, que necessitam de “espaço vital”
para
sobreviver, seja de que modo for.
Em
criança tive de aturar aquela “cançoneta”, ainda hoje em moda em Fátima que, a
certa altura, diz assim: “imaculada rainha do céu...faz com que a guerra acabe
na terra”.
Mas
essa rainha, não sei de que galáxia ou se de todas, ou é surda ou está-se nas
tintas para este minúsculo e disparatado planeta. Porém, parece-me muito mais
plausível e justo atribuir essa incapacidade ao facto de essa mulher, mãe de vários
filhos entre os quais um chamado Jesus, ter morrido há vinte séculos. E isto se
é que na verdade, tal dama existiu.
É
esta a verdadeira História do Mundo onde, só por excepção, surge um político,
um governante, um chefe, ou como lhe queiram chamar, HONESTO!
Mas, seja ele quem for, a populaça (na praça) aplaude sempre qualquer
aventureiro que apareça a proclamar mundos e fundos e que as coisas vão
melhorar. Para ele, familiares e amigos, como é óbvio.
E,
continuando a folhear a História de Portugal, detive-me nas últimas páginas
onde surge a figura de Salazar. O motivo deve-se, talvez, ao facto de ter sido
“educado” por ele. Por isso voltarei a referir-me a este período da nossa
História num dos próximos artigos que terá por título “40 anos após o 25 de
Abril”.
Entrementes surgirá uma pequena crítica à jornalista da RTP Inês Gonçalves
sobre o começo do Verão.
Conclusão:
Para quê mais citações históricas? Só os idealistas é que
dizem que caminhamos para um mundo melhor. Tecnologicamente isto é verdade mas,
tal como tudo, a tecnologia serve as duas forças opostas, o bem e o mal. Mas,
pergunto: onde está a fronteira? Será que algum dos chamados filósofos consegue
defini-la com exactidão?
A
realidade é que cada um puxa a brasa à sua sardinha. Seja por razões
económicas, territoriais ou hierarquia social. O problema é que, e
principalmente nesta última, aplica-se o “Princípio de Peter”. Mas a populaça
(na praça) não sabe ́, nem quer saber, o que é. Crer, crer e mais crer, mesmo
sem ver, em tudo que lhe impingem.
O
ser humano, como todo o ser vivo, é um ladrão porque não pode sobreviver sem se
alimentar à custa de outros seres. A vida, tal como a conhecemos, tem de
alimentar-se de si própria, senão não consegue sobreviver. Não sei o porquê nem
para quê existe esta força inata, mas quem souber a explicação, peço que me
elucide. Imploro, apenas, que não me venha com a chamada metafísica. Como
escreveu Fernando Pessoa, esta “é uma consequência de estar mal disposto” e já me
chegam as indisposições que tenho.
Para
atingir o Eldorado, seria necessário desumanizar o homem. Mas, e voltando a
citar o poeta, isso exigiria “um estudo profundo, uma aprendizagem de
desaprender”.
Nós,
europeus, que vivemos actualmente num mundo onde nada falta (comparado com a
miséria e os esqueletos vivos das crianças da maior parte do mundo),
continuamos a queixarmo-nos de tudo e de todos, quanto mais não seja porque a
máquina de lavar se avariou, ou porque o preço de tal produto subiu. Será que
pensam no trabalho quase escravo dos que o fabricaram nos chamados países
emergentes, ou nos lucros que intermediários e revendedores obtêm? Claro que não!
Isso não interessa porque essa gente está muito longe, e ninguém quer baixar de
cavalo para burro. Se tenho quatro televisores em casa, como é que vou viver só
com três devido a avaria de um deles?
Neste
aspecto nós, Portugueses, somos useiros e vezeiros nas lamentações e comparações
erradas. Frases como “isto é que vai uma crise”, lá fora é que é bom”, “coisas
destas só neste país”, etc. fazem parte do reportório das lamúrias nacionais.
Porém,
a verdade é que, para melhor ou para pior, vamos fazer nove séculos de
História; e, com algumas pequenas variações, temos as mais antigas fronteiras
do mundo! E, embora a nossa privilegiada posição geográfica seja uma das razões,
a verdade é que há mais de duzentos anos não sofremos a humilhação de ver o
nosso Portugal ocupado ou partilhado por abutres vencedores de todas as guerras
que são o dia-a-dia da Humanidade. Como única excepção, temos a ocupação
espanhola do tempo dos “Filipes” mas da qual, (rapidamente em termos
históricos) nos livrámos. Até fomos reconquistar Angola e o Brasil aos
Holandeses, além de termos aguentado a Guerra da Restauração durante vinte e oito
anos.
E vou ficar por aqui. Para contradições naquilo que penso e escrevo,
já basta nunca me ter entendido com este mundo, o maldito, famigerado ou
disparatado planeta, como costumo chamá-lo.
Para
mais esclarecimentos, sugiro às pessoas que leiam História. Isto apesar de
todas as inexactidões e incoerências que contém.
Nota: Qualquer
comentário a este artigo escrito segundo a ortografia do chamado Novo Acordo
Ortográfico, será considerado como contendo erros grosseiros e, como tal,
corrigido.