19/10/2011

CRIMES CONTRA A HUMANIDADE

QUE CRITÉRIO?

Conta-se que Sócrates (o grego!) estava sentado numa rua de Atenas, quando viu passar, correndo, um homem seguido por outro, que gritava desesperadamente: agarra que é um assassino!
Perante este quadro, o “nosso” filósofo ficou impávido e sereno. Ofegante e desesperado, o homem censurou-o por nem sequer ter esboçado um gesto para deter o perseguido. Ele é um assassino, berrou!
Continuando impávido, Sócrates (o grego!) pediu-lhe que explicasse o que significava essa palavra. Mas você não sabe, indignou-se o outro? É uma pessoa que mata outras, um homicida!
Ah! Exclamou Sócrates (o grego!); trata-se de um soldado.
-Não! É um homem que mata em tempo de paz.
-Um carrasco?
-Não! Uma pessoa que mata os caminhantes para roubar.
-Um ladrão?
-Não! Alguém que mata as pessoas em casa.
-Um médico?
Perante esta indefinição tão evidente (excepto à luz daquilo a que se chama Direito, que a maior parte das vezes é torto), o outro foi-se embora, possivelmente cheio de curto-circuitos nos seus pobres neurões.
Mas, porquê esta história, possivelmente lendária, para iniciar este artigo? Simplesmente porque a notícia da queixa contra o senhor Ratzinger, actual Papa, entregue no Tribunal Penal Internacional, deu-me vontade de rir. Um riso amargo, como é óbvio. E a razão da minha hilaridade baseia-se na convicção de que daí nada vai resultar. Durante cerca de quatro décadas, esse senhor foi feroz guardião do documento Crimen Sollicitationes, que punia com excomunhão e outras penas idiotas, nas quais muito boa gente acredita, quem denunciasse os crimes sexuais do Vaticano.
E não vai resultar porquê? Primeiro porque um decreto do Papa Pio IX (século XIX) proclamou, pasme-se, o dogma da infalibilidade dos Papas; portanto o senhor Ratzinger está dentro da razão, seja ela divina ou diabólica. (convém não esquecer que o Diabo foi criado por Deus, já que foi este o chamado Criador de tudo o que existe).
Mas, na nossa ditosa Pátria também temos um senhor, de seu nome próprio Aníbal, que foi eleito Presidente da República, tendo antes, como Primeiro-Ministro, declarado que “nunca se engana, e raramente tem dúvidas”. Ao menos salva-se o “raramente”; já não é mau! Mas esse senhor não pertence, longe disso, à corja que, volta e meia, aparece a mandar nalguma parte do mundo, com o apoio da populaça, que tanto aplaude um Hitler como um Estaline, as ditaduras ou as chamadas democracias. É óbvio que houve, há e haverá sempre mandões que, em nome do povo (o que será esse bicharoco?) que se aproveita da credibilidade humana, o que, aliás, até está certo porque o mundo é dos espertos, e, por vezes, até dos inteligentes. Assim, o caso pode tornar-se grave, ou então cómico, porque, segundo o poeta chinês Li-Tai-Po (701/762), “a miséria do mundo deve provocar o riso nas nossas almas”. Porém, quando alguns desses senhores usam e abusam do poder que, por golpe de estado ou eleições, assumem o comando desse tal bicharoco, para quem o poder, aliás, é relativo, as coisas podem transformar-se num paradoxo, capaz de fazer inveja a Zenão de Eleia* e a outras contradições, mais ou menos absurdas, que infestam as cabeças dessas pobres criaturas chamadas humanas, criadas, segundo as religiões, por um não menos absurdo Deus ou Deuses. Depende das crendices, concepção de promiscuidade, e, o que é mais lógico, dos interesses e da esperteza de cada para se aproveitarem das primeiras.
Assim sendo, em que ficamos? O que são os chamados crimes contra a Humanidade?
Fuzilar uma população inteira e ser condenado, ou passar com um avião por cima, fazer o mesmo, e depois ser condecorado? Ao menos o primeiro teve a coragem de ver a cara das vítimas.
Matar em fogo cruzado, ou colocar minas, esperando que alguém as pise, o que pode acontecer muito tempo depois do fim das chamadas hostilidades? E já que falámos de minas, há que “elogiar” o requinte daquelas que, uma vez pisadas, emitem apenas um clique. Depois, há que decidir: ou mantém-se o pé em cima ad eternum ou, na melhor das hipóteses, fica-se sem pernas. Temos que admitir que, como tortura psicológica, foi uma invenção genial!
E o napalm, e os desfolhantes? E o senhor Mugabe que expulsou os fazendeiros brancos do Zimbabué, lançando o seu país na fome e na miséria? Porque é que os norte-americanos, os “Polícias do Mundo”, não intervieram? É óbvio que se tivesse sido ao contrário, brancos a expulsarem pretos, seria um acto de intolerável racismo. Deus nos livre de tamanho descaramento. Racismo é apenas coisa de brancos!
E o antropófago Idi Amin, mais todos os tiranos africanos que, a pretexto de “libertar” os seus povos da opressão dos colonos, fizeram-nos passar de Herodes para Pilatos?
E a segunda bomba atómica lançada sobre Nagazáqui, apenas três dias após a de Hirochima, sem dar tempo a uma reacção dos japoneses?
Segundo os crentes, ao Homem foi dado livre arbítrio sobre as suas acções. Mas Deus como ser omnisciente, que dizem ser, tem andado a jogar com os comportamentos dos entes que criou? E as catástrofes naturais: são culpa dos Homens ou de Deus? Responda quem souber. Por mim, e como sempre afirmei, sou agnóstico. Não me venham é impingir o Deus de qualquer religião, seja ela qual for.
Mas hoje, e ironicamente falando, temos um mundo muito melhor. Existe a maravilhosa organização apelidada “Nações Unidas”, em que os mais poderosos têm direito a veto, como mandam as leis da chamada Democracia. A descoberta da etimologia desta palavra (do grego dêmos, povo, e kratia, poder, sistema político em que o poder é exercido pelo povo)), provocou a hilaridade da Mafalda, a genial personagem criada pelo cartoonista argentino Quino. Deve ser a palavra que mais interpretações tem.
E depois desta lengalenga, faço votos para que os promotores da acção contra o senhor Ratzinger, consigam levar a água ao seu moinho, o que, como já disse, duvido. Mas vale sempre a pena tentar.
E agora vou pensar, tranquilamente, em coisas mais interessantes. De resto. a minha tranquilidade assenta no facto de existir esse Tribunal, e saber que todos os países têm um Ministério da Defesa, embora não saiba para quê, já que nenhum tem o Ministério do Ataque!
Um conselho: façam como Sócrates (o grego, não se esqueçam).

*Zenão de Eleia.
Para quem não sabe quem foi, e por causa da minha mania de ensinar o pouco que sei (isto não é falsa modéstia), esclareço:
Foi um filósofo grego (mais um), que nasceu entre 490 e 495 A.C. na colónia grega de Eleia, situada na actual Itália, e agora designada por Vélia.
Ficaram célebres os seus paradoxos, com que procurou provar a inexistência do movimento. Um dos mais conhecidos é o de “Aquiles e a tartaruga”, que passo a explicar.
Aquiles está parado a 10 metros de uma tartaruga, também imóvel. O herói da Ilíada anda dez vezes mais do que o réptil. Assim que começam a andar, torna-se lógico que, quando Aquiles percorre dez metros, a tartaruga percorre um metro; quando Aquiles percorre essa distância, o animal percorre um decímetro; e após Aquiles ter percorrido esse intervalo, a tartaruga afasta-se um centímetro; e depois de um centímetro, um milímetro; e após um milímetro, temos um décimo; e assim por diante ad infinitum.
Portanto, apesar de mais veloz do que a tartaruga, Aquiles nunca consegue apanhar a tartaruga, ou melhor, só a alcançaria no infinito.
A solução desta “intrincada” situação, só ficaria matematicamente resolvida mais de dois mil anos depois, graças ao Cálculo Diferencial, desenvolvido por Leibniz e Newton. Na verdade Aquiles alcança a tartaruga ao fim de 11,111… metros.



23/05/2011

O DISPARATADO PLANETA DAS FALSAS CELEBRIDADES

O DISPARATADO PLANETA DAS FALSAS CELEBRIDADES


Nos anos setenta do século passado, o grande humorista brasileiro Juca Chaves contava que um grupo de escuteiros passeava por um jardim zoológico, e o guia ia dizendo o nome dos animais: aqui está um leão, aqui está um tigre, este é um rinoceronte, aquele é um cronista social…etc. (não continuo a história porque o resto não cabe no título deste artigo).
Não pretendo, com aquela citação, insultar os cronistas sociais, que exercem a digníssima profissão de invadir a privacidade dos cidadãos ditos ilustres. Até porque como qualquer de nós são animais, neste caso pertencentes à ordem dos primatas, na qual existem também outras espécies capazes de meter o nariz em tudo. Mas voltemos novamente muitos anos atrás, desta vez ao tempo em que eu era criança e, melhor ou pior, já sabia ler.
Na casa de meus pais lia-se o matutino Diário de Notícias e o vespertino Diário de Lisboa. Uma vez por outra apareciam notícias em caixa alta e fotografias sobre a família real inglesa. O apogeu deu-se em 1952 com a coroação da actual rainha Isabel (esta não era nem é santa, talvez por não ter transformado libras em euros). Os jornais faziam capa de tão grandioso acontecimento que ofuscava as descobertas de quaisquer “imbecis” como um Fleming ou um Einstein. No entanto, e em relação ao primeiro, milhões de pessoas deviam o facto de estar vivas, e ao segundo uma nova e realista visão do universo. Mas, de panem et circenses é que o povo gosta, e o povo é quem mais ordena, mesmo quando ordenado, lei natural da sua crassa estupidez, e da consequente crendice. E tem que estar certo, já que tudo o que deus criou é perfeito e sem mácula.
Nesse tempo o doutor Oliveira Salazar governava com mão branda, mas firme, o nosso Portugal (mostrou a sua verdadeira faceta quando, em 1961, ordenou: “afundem o Santa Maria”), mas tinha a coragem de assumir que a sua política era ditatorial. O número de ricos era uma insignificância, e a classe média, sempre à rasca (palavra antiga, tão do agrado da nossa Hermínia Silva, mas que agora voltou a estar na moda), procurava exibir aquilo que não tinha, e ai de quem desviasse um tostão do Estado. No que respeita aos pobres, numa casa portuguesa ficava bem pão e vinho sobre a mesa (beber vinho era dar o pão a um milhão de portugueses) e se alguém, humildemente, batesse à porta, sentava-se à mesa com eles, porque à alegria da pobreza juntava-se a grande riqueza de dar e ficar contente. Para completar a magnificência deste quadro, o deus omnipotente abandonara o seu sempre perseguido povo eleito ao holocausto nazi, o doutor Salazar mandara decretar três dias de luto nacional ao tomar conhecimento da morte de Hitler, apesar dos justificados protestos dos Aliados, e a virgem (?!) Maria tinha aceite o papel de madrinha dedicadíssima desta ditosa pátria nossa amada, relegando as outras nações para segundo plano. Enfim! Outros tempos, outras gentes…outra alegria!
Em 1957, tinha eu catorze anos, sua majestade (dela) Isabel II do Reino Unido, Escócia, País de Gales, Irlanda do Norte e demais colónias britânicas, deu-nos a soberana honra de visitar o nosso País.
Para receber tão importante personagem, cuja multiplicidade de dotes geniais ultrapassava, de longe, um Leonardo da Vinci, Lisboa engalanou-se o melhor que podia, os mendigos foram detidos, e nas esventradas avenidas da Liberdade e da República, onde estavam sendo construídos os túneis do metropolitano a céu aberto, foram colocados alguns tapumes para disfarçar. Como se dizia na época, aquilo “era para a inglesa ver”. Sempre o nosso típico sentido de humor.
Deu-se o caso de, num desses dias “festivos”, eu estar em casa de uns tios muito ricos, quando correu a notícia que sua majestade iria passar no Largo da Estrela. Imediatamente a minha tia mandou preparar um dos vários carros que possuía, e ordenou ao seu motorista que nos levasse imediatamente até lá, “para o menino João Daniel ver uma rainha”. (o menino era eu). Não sei o que o motorista terá pensado, mas, o que me passou pela cabeça foi, mais ao menos, isto: mas porque diabo sou obrigado a ir ver uma gaja que nunca fez nada de importante na vida? Mas, lá fui (que remédio) e vi! Vi passar um Rolls-Royce com uma senhora, cuja cabeça ostentava umas pedrinhas que brilhavam, acenando, sorridente, para a populaça radiante que batia palminhas, esquecida momentaneamente da endógena crise lusitana que emergiu na Batalha de S. Mamede, e continua a anatematizar-nos como se fosse o chamado pecado original, tão caro à Igreja de Roma como a fábula “O Lobo e o Cordeiro” de La Fontaine. E foi assim que ainda hoje, para alívio dos meus pecados, posso gritar bem alto: eu vi uma rainha!
Mas o tempo foi passando, e apesar dessa “maravilhosa” visão que me impuseram, continuo a não compreender a importância que o povo dá a gente…sem importância!
Ah! Lembrei-me agora. Também vi um rei, o da Noruega, aquando das horas esquecidas que passava no aeroporto devido à minha paixão por aviões. A visita era também oficial, mas povinho, não se via! Talvez fosse por a Noruega pertencer a uma península com forma de cão, e o respectivo monarca dever ser tratado, senão abaixo do dito, pelo menos como igual, o que, no fim de contas, até lhe podia dar um certo ar de superioridade. Mas se pensarmos em termos históricos e nos denodados esforços, úteis ou não, de alguns povos, o certo é que foram os noruegueses os primeiros europeus a chegar à América.
Mas deixemos a Grã-Bretanha e a Noruega, e viajemos para sul até um ínfimo país, (a sua superfície não chega a dois Km. quadrados) mas gigantesco pelos “escândalos” da chamada família real. Não significa isto que nas grandes monarquias, e até nas repúblicas, um coito fora do tradicional casamento, ou um divorcio, não sejam uma “catástrofe universal”, para gáudio dos cronistas sociais, das “Caras”, “Vidas”, “Lux”, etc. que encontram assim motivos para embasbacarem os povos com tamanhos pecados, e fazem despertar a libido da traição nos leitores (só em pensamento, claro, mas que não deixa de ser pecado segundo a Igreja Católica (?!). E se não for o adultério motivo para capa de revista, não faltam outros temas, como, por exemplo, a princesa está grávida, apareceu em biquíni numa praia (se os direitos das mulheres fossem, de facto, iguais aos homens, estaria em monoquini), escorregou na escada e fez uma nódoa negra, foi visitar um asilo de criancinhas, de velhinhos ou pobrezinhos, a menstruação chegou um dia antes, mudou a cor do cabelo, etc.etc.etc. mais todas as situações possíveis de interessar os povos deste mundo, e que contribuem para o ganha-pão dos cronistas sociais e das revistas que publicam os seus interessantíssimos comentários, que deliciam e suavizam as tristezas e frustrações de quem as lê.
Mas avancemos quarenta anos e cheguemos a 1997. Na mesma semana de Setembro desse ano faleceram quatro pessoas mundialmente comhecidas, a saber: o maestro Georg Solti, o oceanógrafo Jacques-Yves Cousteau, Madre Teresa de Calcutá, e a princesa Diana. Mas, na realidade, faleceram apenas três grandes celebridades, já que Diana nada fez para atingir o estatuto de grandeza que lhe atribuem. Chamaram-lhe a “Princesa do Povo”, vá-se lá saber porquê; talvez por, na realidade, ter vindo mesmo do chamado povo, como o fotógrafo que casou com Margarida, a falecida irmã de Isabel II, e logo promovido a “lorde” para tentar disfarçar a sua origem plebeia(?!)
Hoje, passados 14 anos sobre a morte dessa pobre mulher, que não deve ter pensado no tipo de família com quem se ia meter, mais outra, uma tal Kate, acaba de fazer o mesmo enlace para gáudio do povinho, delírio dos cronistas sociais, e caça-níqueis das revistas onde essa fauna escreve. Desejo-lhe muitas felicidades, e espero não ter que vê-la, como Diana, com ar de desespero, raiva e sofrimento, a perguntar para a corja de “paperazzi” que não a largava: Why?Why? Oxalá que não, mas, por enquanto, o casamento do século (!) encontra-se apenas na última página final do tipo das histórias de príncipes e princesas dos irmãos Grimm: casaram e foram muitos felizes!
Para maior espectáculo nos noticiários, até os condutores do coche real foram entrevistados junto dos cavalos, mantendo-se estes últimos inteligentemente alheios a toda aquela palhaçada. Possivelmente taparam-lhes o ânus, não fosse qualquer ventosidade indiscreta, ou qualquer coisa mais sólida, perturbar o nariz e os olhos do príncipe e de sua mulher, que afinal já o era há muito tempo, quando percorriam as ruas naquele espampanante coche. Mas o que importa é a assinatura na papelada e cumprir o protocolo.
E a propósito de protocolo. Aquando da inauguração da ilha artificial do Dubai, a imprensa inglesa classificou o evento como “o oitavo vómito do mundo”. E este casamento, o que foi? Uma disenteria? Porque não acabam com essa espécie de estúpida disciplina militar que custa tanto dinheiro? Quanta hipocrisia há neste mundo!
Mas não há nada melhor do que o optimismo, e a idolatria dos seres humanos para si próprios, seja para as realezas ou para todas as pessoas fúteis deste mundo, como o senhor Kokó, acompanhado da sua esposa Kiki, que, com estonteante satisfação, enchem as páginas dessas revistas com os relatos, verdadeiros ou falsos, das suas vidas íntimas. Chego a pensar que muita dessa gente até paga para aparecer nessas revistas, quanto mais não seja para mostrar que existem, ostentarem as toilettes das “madames de qualquer coisa” e gabarem as fatiotas umas das outras, enquanto dizem de si para si: que vestido horroroso tinha a Kiki; os sapatos da Xixi parecem uns cascos; e o penteado daquela parva da Cinha? Francamente! Não sei o que os homens vêem naquela tipa! E etc.
E, vou terminar fazendo uma pergunta: alguém sabe quem foi Albert Bruce Sabin, que ficou conhecido, este sim, como “o Homem do Mundo”? Claro que não, mas eu digo: foi um médico e investigador norte-americano, nascido em 1906 e morto em 1993, a quem devem a vida e o facto de não estar amarrados a uma cadeira de rodas milhões de crianças e adultos. E porquê? Porque foi ele quem descobriu a vacina contra esse flagelo chamado poliomielite. Entre aqueles que beneficiam da sua descoberta, mas que ignoram este e outros homens verdadeiramente grandes, estão as tais “celebridades” e aqueles que as põem nos píncaros da idolatria. Mas, no fim até está certo, ou não seja este o PLANETA DAS FALSAS CELEBRIDADES!



24/02/2011

SERVILISMO E SAUDOSISMO

ACORDO ORTOGRÁFICO LUSO-BRASILEIRO


Como nota de abertura começo por dizer que não pretendo criticar o Português que os brasileiros utilizam no falar ou no escrever do dia a dia, embora me faça muita confusão os “pontapés” que dão na gramática, desde a não concordância dos substantivos com o género e o número, o tratamento por tu e você na mesma frase, ou a não observância de proximidade e afastamento dos pronomes demonstrativos. Também não me interessa que escrevam "muié", "peraí" e outras "deliciosas" palavras e frases que temos de ler na "internet". São apenas exemplos de um manancial de expressões que nada têm a ver com a gramática portuguesa, e que começaram a circular em Portugal com as telenovelas e, depois, com a chegada de emigrantes. Mas isso é lá com eles, e só confirma a tese do professor brasileiro quando afirmou que, dentro de algumas décadas, no Brasil falar-se-á uma língua derivada do Português. Concordo plenamente. Todas as línguas, aliás como tudo, têm sempre uma origem. Se lermos um Gil Vicente ou um Camões no Português das suas épocas, constatamos que está muito mais próximo do Castelhano do que o de hoje. Mas como lógico e prático que sou, nunca gostei de forçar os caminhos naturais da evolução. Não sou filólogo e até nunca fui forte em Gramática, estando muito mais virado para a Música e para as Ciências. Porquê, então, meter-me neste assunto? Simplesmente porque sempre procurei fazer as coisas o melhor que posso e sei, e defensor do princípio de que tudo deve ser bem feito ou, então, não vale a pena fazer. Isto, como é óbvio, aceitando o facto de que é muito difícil, senão impossível, estabelecer fronteiras entre o que é perfeito ou imperfeito. Declaro, também, que desde que aprendi a ler e escrever, sempre me fez confusão o motivo porque cada letra não há-de ter um só valor, e porquê gastar tinta com letras que não se lêem, já que é a fonética que determina a ortografia e não o contrário. É claro que esta hipótese não passa de um sonho, como explicou Carmo Vaz na sua obra “Linguística Para Todos”. Para isso temos os símbolos do Alfabeto Fonético Internacional, constantes em qualquer bom dicionário. Sei, ainda, que as razões etimológicas têm a sua natural força. Mas, e sempre que os vocábulos sofrem mudanças significativas na sua pronúncia, é óbvio que a entidade responsável, no nosso caso a Academias das Ciências, deve propor a actualização das respectivas grafias. A título de exemplo basta citar a facilidade com que se lê a língua alemã, e o “caos” que o conhecido conservadorismo inglês impõe à sua escrita. Costumo até dizer, por brincadeira, que os ingleses escrevem Sebastião José de Carvalho e Melo, mas lêem Marquês de Pombal! Foi por esta razão, e pela maneira enfática da sua fonética, aliás tão amada pelos portugueses, que me recusei a aprender Inglês, tendo feito o antigo 2º ciclo dos liceus com deficiência nessa disciplina. Mas, cada qual tem as suas próprias embirrações, e eu não sou excepção. Nasci em Lisboa em 1942 e, como oriundo da chamada classe média, deliciei-me com os livros de Júlio Verne e Emílio Salgari, além dos semanários juvenis “O Mundo de Aventuras” e “Cavaleiro Andante”. Fui, assim, confrontado com dois tipos de ortografia: a anterior ao acordo luso-brasileiro de 1945 (Júlio Verne), e a posterior nos outros casos. Para aumentar a confusão havia na casa dos meus pais uma edição do Diccionário Prático Illustrado” ou “Novo Diccionário Encyclopédico Luso-Brasileiro”, editado em 1944, e que ainda hoje consulto para saber como os diversos temas eram definidos na época e, também, tomar contacto com a ortografia coexistente com as obras de Júlio Verne, que continuam a fazer parte da minha biblioteca. Por outro lado, aquela edição tem a vantagem de apresentar um resumo do referido acordo e uma lista de todas as palavras cuja grafia foi alterada, aposto como apêndice para “corrigir” toda a ortografia usada nas suas mais de mil e setecentas páginas. Mas o mundo evolui e, por vezes, somos apanhados de surpresa nos momentos das maiores mudanças, aliás, muitas vezes necessárias. Porém, e pelo que li sobre o actual acordo, julgo poder concluir que enferma tanto de politiquice saloia como de saudosismo. E saudosismo de quê? Dos tempos áureos do Império que, se para uns é uma vergonha, como ensinam hoje às crianças, para outros é uma recordação dos tempos em que os livros nos impingiam que a nossa História era a mais linda de todas, e Portugal o mais belo país do mundo! Como sempre, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, e só aqueles que têm algum espírito de crítica sobre tudo o que acreditam, é que podem encontrar no eclectismo um pouco de paz para as suas dúvidas ou, ainda, como escreveu Fernando Pessoa, considerar que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto! Vem a propósito referir José Saramago que, em “O Ano da Morte de Ricardo Reis”, lamenta com o seu contundente amor pela veracidade dos factos, não ser bom português aquele que não fala outra língua melhor que a sua. Para confirmar basta ouvirmos os telejornais para constatar o “empenho” com que as palavras estrangeiras, normalmente inglesas, são pronunciadas, mesmo que já tenham sido aportuguesadas ou, o que é pior, quando nada têm a ver com a Inglaterra. Cito apenas os casos da ninfa Io, da cidade russa de Irkutsk e do astrónomo dinamarquês Tycho Brahe. Pasme-se, mas já ouvi a primeira ser denominada “Aiâu”, a segunda “Ârkâtsk e, o último “Táikâu” Brahe. Depois é frequente ouvirmos um chorrilho de asneiras de português, como a utilização de dois verbos no plural na mesma frase. Como José Saramago tem razão! (Para mais exemplos e outros assuntos relacionados solicito, a quem tiver pachorra, que consulte o meu blogue intitulado “O Suplício do Disparate”).

Hoje sou confrontado com a imposição de um acordo com um país que usa uma língua que, e como já referi, dentro de umas décadas será um idioma derivado do Português, deixando de haver, portanto o "português europeu" e o "português brasileiro". Porquê, então, este acordo? E um acordo não implica, necessariamente, concessões das várias partes envolvidas? Parece impossivel, mas até a letra "W", que nada tem a ver com com o nosso alfabeto de origem latina, vai ser introduzida na nossa ortografia, possivelmente porque os povos das ex-colónias a utilizam com o valor de "U" nos seus dialectos, como o quimbundo, por influência inglesa. (Exemplos: Malawi e Zimbabwe). E excluímos nós, no acordo de 1945, o "Y" outrora importado do alfabeto grego! Volto a insistir, na minha modesta opinião, que as razões principais são o politicamente (in)correcto e o saudosismo. Dezenas de países têm o Inglês como língua oficial; o Castelhano é falado nas Américas Central e do Sul (exceptuando o Brasil e Guianas) e nas Filipinas;o Francês nas antigas colónias africanas, em algumas Antilhas e na Polinésia Francesa. Que eu saiba nenhum destes países fez quaisquer acordos linguísticos, tão absurdos quão inúteis. E o Português? Mesmo que sejam precisas legendas para entender o Quimbundo, o Crioulo ou o Tétu, alguns pretendem manter o Portugal de Minho a Timor. Portanto, viva Fátima, viva o Futebol porque, afinal… TUDO ISTO É FADO!