23/05/2011

O DISPARATADO PLANETA DAS FALSAS CELEBRIDADES

O DISPARATADO PLANETA DAS FALSAS CELEBRIDADES


Nos anos setenta do século passado, o grande humorista brasileiro Juca Chaves contava que um grupo de escuteiros passeava por um jardim zoológico, e o guia ia dizendo o nome dos animais: aqui está um leão, aqui está um tigre, este é um rinoceronte, aquele é um cronista social…etc. (não continuo a história porque o resto não cabe no título deste artigo).
Não pretendo, com aquela citação, insultar os cronistas sociais, que exercem a digníssima profissão de invadir a privacidade dos cidadãos ditos ilustres. Até porque como qualquer de nós são animais, neste caso pertencentes à ordem dos primatas, na qual existem também outras espécies capazes de meter o nariz em tudo. Mas voltemos novamente muitos anos atrás, desta vez ao tempo em que eu era criança e, melhor ou pior, já sabia ler.
Na casa de meus pais lia-se o matutino Diário de Notícias e o vespertino Diário de Lisboa. Uma vez por outra apareciam notícias em caixa alta e fotografias sobre a família real inglesa. O apogeu deu-se em 1952 com a coroação da actual rainha Isabel (esta não era nem é santa, talvez por não ter transformado libras em euros). Os jornais faziam capa de tão grandioso acontecimento que ofuscava as descobertas de quaisquer “imbecis” como um Fleming ou um Einstein. No entanto, e em relação ao primeiro, milhões de pessoas deviam o facto de estar vivas, e ao segundo uma nova e realista visão do universo. Mas, de panem et circenses é que o povo gosta, e o povo é quem mais ordena, mesmo quando ordenado, lei natural da sua crassa estupidez, e da consequente crendice. E tem que estar certo, já que tudo o que deus criou é perfeito e sem mácula.
Nesse tempo o doutor Oliveira Salazar governava com mão branda, mas firme, o nosso Portugal (mostrou a sua verdadeira faceta quando, em 1961, ordenou: “afundem o Santa Maria”), mas tinha a coragem de assumir que a sua política era ditatorial. O número de ricos era uma insignificância, e a classe média, sempre à rasca (palavra antiga, tão do agrado da nossa Hermínia Silva, mas que agora voltou a estar na moda), procurava exibir aquilo que não tinha, e ai de quem desviasse um tostão do Estado. No que respeita aos pobres, numa casa portuguesa ficava bem pão e vinho sobre a mesa (beber vinho era dar o pão a um milhão de portugueses) e se alguém, humildemente, batesse à porta, sentava-se à mesa com eles, porque à alegria da pobreza juntava-se a grande riqueza de dar e ficar contente. Para completar a magnificência deste quadro, o deus omnipotente abandonara o seu sempre perseguido povo eleito ao holocausto nazi, o doutor Salazar mandara decretar três dias de luto nacional ao tomar conhecimento da morte de Hitler, apesar dos justificados protestos dos Aliados, e a virgem (?!) Maria tinha aceite o papel de madrinha dedicadíssima desta ditosa pátria nossa amada, relegando as outras nações para segundo plano. Enfim! Outros tempos, outras gentes…outra alegria!
Em 1957, tinha eu catorze anos, sua majestade (dela) Isabel II do Reino Unido, Escócia, País de Gales, Irlanda do Norte e demais colónias britânicas, deu-nos a soberana honra de visitar o nosso País.
Para receber tão importante personagem, cuja multiplicidade de dotes geniais ultrapassava, de longe, um Leonardo da Vinci, Lisboa engalanou-se o melhor que podia, os mendigos foram detidos, e nas esventradas avenidas da Liberdade e da República, onde estavam sendo construídos os túneis do metropolitano a céu aberto, foram colocados alguns tapumes para disfarçar. Como se dizia na época, aquilo “era para a inglesa ver”. Sempre o nosso típico sentido de humor.
Deu-se o caso de, num desses dias “festivos”, eu estar em casa de uns tios muito ricos, quando correu a notícia que sua majestade iria passar no Largo da Estrela. Imediatamente a minha tia mandou preparar um dos vários carros que possuía, e ordenou ao seu motorista que nos levasse imediatamente até lá, “para o menino João Daniel ver uma rainha”. (o menino era eu). Não sei o que o motorista terá pensado, mas, o que me passou pela cabeça foi, mais ao menos, isto: mas porque diabo sou obrigado a ir ver uma gaja que nunca fez nada de importante na vida? Mas, lá fui (que remédio) e vi! Vi passar um Rolls-Royce com uma senhora, cuja cabeça ostentava umas pedrinhas que brilhavam, acenando, sorridente, para a populaça radiante que batia palminhas, esquecida momentaneamente da endógena crise lusitana que emergiu na Batalha de S. Mamede, e continua a anatematizar-nos como se fosse o chamado pecado original, tão caro à Igreja de Roma como a fábula “O Lobo e o Cordeiro” de La Fontaine. E foi assim que ainda hoje, para alívio dos meus pecados, posso gritar bem alto: eu vi uma rainha!
Mas o tempo foi passando, e apesar dessa “maravilhosa” visão que me impuseram, continuo a não compreender a importância que o povo dá a gente…sem importância!
Ah! Lembrei-me agora. Também vi um rei, o da Noruega, aquando das horas esquecidas que passava no aeroporto devido à minha paixão por aviões. A visita era também oficial, mas povinho, não se via! Talvez fosse por a Noruega pertencer a uma península com forma de cão, e o respectivo monarca dever ser tratado, senão abaixo do dito, pelo menos como igual, o que, no fim de contas, até lhe podia dar um certo ar de superioridade. Mas se pensarmos em termos históricos e nos denodados esforços, úteis ou não, de alguns povos, o certo é que foram os noruegueses os primeiros europeus a chegar à América.
Mas deixemos a Grã-Bretanha e a Noruega, e viajemos para sul até um ínfimo país, (a sua superfície não chega a dois Km. quadrados) mas gigantesco pelos “escândalos” da chamada família real. Não significa isto que nas grandes monarquias, e até nas repúblicas, um coito fora do tradicional casamento, ou um divorcio, não sejam uma “catástrofe universal”, para gáudio dos cronistas sociais, das “Caras”, “Vidas”, “Lux”, etc. que encontram assim motivos para embasbacarem os povos com tamanhos pecados, e fazem despertar a libido da traição nos leitores (só em pensamento, claro, mas que não deixa de ser pecado segundo a Igreja Católica (?!). E se não for o adultério motivo para capa de revista, não faltam outros temas, como, por exemplo, a princesa está grávida, apareceu em biquíni numa praia (se os direitos das mulheres fossem, de facto, iguais aos homens, estaria em monoquini), escorregou na escada e fez uma nódoa negra, foi visitar um asilo de criancinhas, de velhinhos ou pobrezinhos, a menstruação chegou um dia antes, mudou a cor do cabelo, etc.etc.etc. mais todas as situações possíveis de interessar os povos deste mundo, e que contribuem para o ganha-pão dos cronistas sociais e das revistas que publicam os seus interessantíssimos comentários, que deliciam e suavizam as tristezas e frustrações de quem as lê.
Mas avancemos quarenta anos e cheguemos a 1997. Na mesma semana de Setembro desse ano faleceram quatro pessoas mundialmente comhecidas, a saber: o maestro Georg Solti, o oceanógrafo Jacques-Yves Cousteau, Madre Teresa de Calcutá, e a princesa Diana. Mas, na realidade, faleceram apenas três grandes celebridades, já que Diana nada fez para atingir o estatuto de grandeza que lhe atribuem. Chamaram-lhe a “Princesa do Povo”, vá-se lá saber porquê; talvez por, na realidade, ter vindo mesmo do chamado povo, como o fotógrafo que casou com Margarida, a falecida irmã de Isabel II, e logo promovido a “lorde” para tentar disfarçar a sua origem plebeia(?!)
Hoje, passados 14 anos sobre a morte dessa pobre mulher, que não deve ter pensado no tipo de família com quem se ia meter, mais outra, uma tal Kate, acaba de fazer o mesmo enlace para gáudio do povinho, delírio dos cronistas sociais, e caça-níqueis das revistas onde essa fauna escreve. Desejo-lhe muitas felicidades, e espero não ter que vê-la, como Diana, com ar de desespero, raiva e sofrimento, a perguntar para a corja de “paperazzi” que não a largava: Why?Why? Oxalá que não, mas, por enquanto, o casamento do século (!) encontra-se apenas na última página final do tipo das histórias de príncipes e princesas dos irmãos Grimm: casaram e foram muitos felizes!
Para maior espectáculo nos noticiários, até os condutores do coche real foram entrevistados junto dos cavalos, mantendo-se estes últimos inteligentemente alheios a toda aquela palhaçada. Possivelmente taparam-lhes o ânus, não fosse qualquer ventosidade indiscreta, ou qualquer coisa mais sólida, perturbar o nariz e os olhos do príncipe e de sua mulher, que afinal já o era há muito tempo, quando percorriam as ruas naquele espampanante coche. Mas o que importa é a assinatura na papelada e cumprir o protocolo.
E a propósito de protocolo. Aquando da inauguração da ilha artificial do Dubai, a imprensa inglesa classificou o evento como “o oitavo vómito do mundo”. E este casamento, o que foi? Uma disenteria? Porque não acabam com essa espécie de estúpida disciplina militar que custa tanto dinheiro? Quanta hipocrisia há neste mundo!
Mas não há nada melhor do que o optimismo, e a idolatria dos seres humanos para si próprios, seja para as realezas ou para todas as pessoas fúteis deste mundo, como o senhor Kokó, acompanhado da sua esposa Kiki, que, com estonteante satisfação, enchem as páginas dessas revistas com os relatos, verdadeiros ou falsos, das suas vidas íntimas. Chego a pensar que muita dessa gente até paga para aparecer nessas revistas, quanto mais não seja para mostrar que existem, ostentarem as toilettes das “madames de qualquer coisa” e gabarem as fatiotas umas das outras, enquanto dizem de si para si: que vestido horroroso tinha a Kiki; os sapatos da Xixi parecem uns cascos; e o penteado daquela parva da Cinha? Francamente! Não sei o que os homens vêem naquela tipa! E etc.
E, vou terminar fazendo uma pergunta: alguém sabe quem foi Albert Bruce Sabin, que ficou conhecido, este sim, como “o Homem do Mundo”? Claro que não, mas eu digo: foi um médico e investigador norte-americano, nascido em 1906 e morto em 1993, a quem devem a vida e o facto de não estar amarrados a uma cadeira de rodas milhões de crianças e adultos. E porquê? Porque foi ele quem descobriu a vacina contra esse flagelo chamado poliomielite. Entre aqueles que beneficiam da sua descoberta, mas que ignoram este e outros homens verdadeiramente grandes, estão as tais “celebridades” e aqueles que as põem nos píncaros da idolatria. Mas, no fim até está certo, ou não seja este o PLANETA DAS FALSAS CELEBRIDADES!



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