O DISPARATADO FOLHETIM CHAMADO ACORDO ORTOGRÁFICO LUSO-BRASILEIRO CONTINUA.
“Uma mosca sem valor
Pousa, c’o a mesma alegria,
Na careca de um doutor,
Ou em qualquer porcaria.”
António Aleixo, pois claro! Mas quantos portugueses sabem quem foi? Muito poucos, certamente, mas eu esclareço: foi um poeta “popular” algarvio (1899-1949), semi-analfabeto, mas que, nas suas quadras deu mais lições que muito licenciado apenas pelo “canudo” (e não só) seria capaz de fazer. A sua vida decorreu na mais confrangedora miséria e semeada de desgostos.
Mas, a que propósito me lembrei dele e daquela quadra plena de verdade?
É que, depois de já ter escrito neste blogue um artigo intitulado “Servilismo e Saudosismo – Acordo Ortográfico Luso-brasileiro”, e sabendo que alguns grandes nomes da nossa cultura, como Vasco Graça Moura, lutavam heroicamente contra os traidores da Língua-Pátria, julgava que a guerra já estava perdida. (Basta ver o servilismo da maioria da Comunicação Social perante esta questão).
Mas, eis que tive uma grata surpresa ao tomar conhecimento da carta enviada pela Dr.ª Madalena Homem Cardoso ao Sr. Ministro da Educação e Ciência. Li-a com toda a atenção, e, para meu espanto, fiquei a saber o imbróglio político, anti-cultural e anti-democrático que caracteriza mais este famigerado “acordo” linguístico.
Mas, o que mais me chocou, foi saber que por detrás de toda esta palhaçada está o Prof. Malaca Casteleiro, doutorado em Filologia Românica! Não sei o que o levou, mais alguns poucos acólitos, aliás, não concordantes entre si, a levar a cabo uma tarefa tão inútil como disparatada. Se, para além do servilismo ao Brasil, foi para poupar tinta aos que escrevem a nossa Língua (perdoem-me a graça, mas hoje já nada me admira), então tivesse a coragem de ir até ao fim e propusesse a supressão total de todas as consoantes mudas.
Como escrevi no blogue atrás aludido, sempre fui defensor de um som uma letra. Foi assim, como reza a História, que os Fenícios inventaram a escrita, depois adaptada pelos Gregos à sua Língua, no conjunto de sinais a que chamaram Fonogramática (som gravado), e que, mais tarde passaria a ser designado por Alfabeto, palavra formada pelas duas primeiras letras: alfa e beta.
Mas, esta aparente facilidade torna-se impraticável devido à evolução linguística. A título de exemplo basta dizer que no alfabeto grego actual, a letra beta soa como “v”. Para representar a consoante “b”, utilizam agora a combinação das letras “mu”+”pi”. É o caso da palavra cerveja, que escrevem “mpira” (estou a utilizar o alfabeto latino) e soa, aproximadamente, como “bira”. E poderíamos citar outras línguas, entre as quais a inglesa, cuja relação entre a fonética e a grafia é um autêntico quebra-cabeças.
Portanto, Ex.mo Sr. Prof. Malaca Casteleiro, permito-me, na minha modéstia, fazer algumas sugestões, para pôr à consideração da desconjuntada equipa de linguistas que o rodeia:
1-Como “corretor” da Língua Portuguesa, talvez não lhe ficasse mal ser, também, corretor da Bolsa. Sempre ganhava mais uns cobres.
2-Uma vez que em português não existem vogais aspiradas, suprima todos os “h” de palavras como haver, hoje, homem, etc. Assim teríamos na ementa dos restaurantes “oje á cozido à portuguesa”. Mas, e considerando o que se vê escrito por aí, talvez não destoasse muito.
3-Se for convidado para um jantar de cerimónia, confirme se vai de “fato”, de fato, ou ambas as coisas.
4-Se a sua principal preocupação é as criancinhas terem de decorar e escrever palavras com letras que não se lêem, para além do já mencionado “h” tire a vogal “u” a seguir aos “q” quando são mudos. Ao menos nesse campo, os brasileiros mantiveram, até agora, o trema para evitar confusões, como acontece com sequestro e “seqüestro”. Aliás, a sua supressão é um dos vários motivos porque os brasileiros também protestam contra este famigerado acordo.
Francamente. Depois de meditar neste assunto, fiquei com pena das pobres crianças francesas e inglesas, cujos pequenos cérebros são obrigados a compreender essa coisa disparatada que, na cabeça de V. Ex.ª, é a etimologia das palavras. E nem sequer ouso pensar nas chinesas, japonesas e tantas outras que têm de decorar as centenas de sinais dos seus alfabetos ideográficos. Maldita seja a “burrocracia” das grafias.
5-E, continuando a pensar em crianças, desta vez nas nossas, também deve admitir que o facto de a letra “x” ter cinco valores fonéticos é puro sadismo. Logo, também devia ser excluída; já basta a Álgebra com as suas incógnitas representadas por essa letra rebelde. Deve ser por isso que há tantas más notas em Matemática.
E os plurais das palavras terminadas em “ão”? Para reduzir ainda mais a tortura de tão tenrinhos cérebros, ponha todas essas palavras a terminar em “ães”, em “ões” ou em “ãos”. Evitava-se, por exemplo, muitas “confusães”.
6-Sugiro, também, a total supressão dos sinais diacríticos. No conjunto da borrada em que se está a transformar a nossa Língua, ficaria bem escrever cágado, simpático réptil da ordem dos quelónios, sem o acento agudo. Como o trânsito intestinal destes animais pode demorar cerca de uma semana, o inconveniente não seria grande.
7-Para que, pelo menos uma vez sejamos nós a influenciar a grafia brasileira, deveria sugerir, humildemente claro, que suprimam os “r” no final dos infinitivos verbais, uma vez que os não pronunciam. Não será lógico? E troquem, também, os “l” finais por “u”. Talvez num futuro não muito longínquo fizéssemos o mesmo e passássemos a dizer “Portugau”.
E vou terminar solicitando ao Exmo. Senhor Professor Doutor Malaca Casteleiro, que não permita mais que a sua cabeça seja um aeródromo, e sacuda a mosca que lá poisou.
Nota fora do contexto supra:
A Sr.ª Dra. Madalena Homem Cardoso alude ao Esperanto como uma língua desprovida de cultura. Como finalista de um curso dessa língua, inventada no século XIX, pelo lituano Lázaro Zamenhof, (para o que me havia de dar na minha idade) posso afirmar que não é tão artificial como se diz. O seu inventor foi buscar o que há de melhor nas Línguas Indo-Europeias, sendo cerca de 60% das palavras derivadas do Latim, como, por exemplo, labori (trabalhar) ou ami (amar). De resto a sua ideia foi: a cada povo a sua língua para todos os povos o Esperanto, acabando assim com a supremacia de um povo sobre todos os outros, como tem acontecido ao longo dos milénios, desde o Grego ao actual Inglês.
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