Meu caro Eusébio.
Se o Além existe, o
que muito duvido, talvez leias esta carta. Nasceste no mesmo ano que eu, em
plena Segunda Guerra Mundial. Tu na então Província Ultramarina Portuguesa de
Moçambique, e eu em Lisboa, na época a Capital do Império.
Tiveste uma origem
muito modesta. O mesmo não posso dizer, porque a minha família pertencia à
classe média-alta.
Muito antes de
pensares vir para a Metrópole (se é que sabias o que isso era) eu ia com o meu
pai ver alguns jogos do Sporting, clube de que sou apenas simpatizante. À parte
isto, o futebol pouco me interessa.
Nessa época tão
distante, e para afirmar a portugalidade dessas terras hoje tão desgraçadas, o
Estado Novo tinha feito vir para Lisboa algumas promessas do futebol nacional,
onde se destacaram os irmãos teus conterrâneos Matateu e Vicente, ambos no
Belenenses.
Quando chegaste à
capital, foste “caçado” pelo Benfica que se adiantou ao Sporting na
contratação. Poderias, assim, ter sido sportinguista, mas o mundo é de quem
chega primeiro.
Só te vi jogar na
televisão, e não posso esquecer os dois jogos em que o Benfica se sagrou
campeão europeu, transmitidos em directo, novidade na época.
Depois, veio o
“Mundial de 66” .
Eu estava em Luanda, onde não havia televisão, mas ouvíamos todos os relatos da
selecção, cujas vitórias punham todos, brancos e pretos, em autêntica loucura.
E posso afirmar que eram manifestações verdadeiramente espontâneas.
Não vou falar do
Portugal-Coreia (toda a gente sabe a história) mas de uma situação caricata que
se passou no jogo com a Inglaterra. Jantava em casa de um amigo enquanto, pela
rádio, ouvíamos ansiosos o relato feito por Artur Agostinho. A certa altura,
quando perdíamos por 2-1, pareceu-nos ouvir “Eusébio remata e gooolo!” Com o
entusiasmo levantámo-nos e a mesa, que era de tripé, virou-se deitando tudo
para o chão. O meu amigo escorregou e parece-me que ainda o estou a ver no chão
a exclamar: “se, ao menos tivesse sido golo!...”
E quatro décadas
passaram. Um acaso fez com que te visse no aeroporto de Munique, aquando do
“Mundial de 2006” .
Estavas sentado, encolhido é mais o termo, numa cadeira. Algumas pessoas cumprimentavam-te
e outras, tal como eu, apenas olhavam. Já íamos muito alto quando, olhando para
trás, reparei que ias no mesmo avião.
Disse para a minha
mulher: “o Eusébio está sentado mais atrás; até parece que ninguém dá por ele”.
E, como poderia dar se a tua imagem, como sempre, irradiava, nobremente, a
contumaz singeleza?
Agora morreste! De
repente, todo o Portugal se levantou, chorou, recordou (embora muito mais de
metade dos portugueses não ser ainda nascida ou era criança no tempo da tua
glória) e até te querem colocar no Panteão! Se soubesses disto penso que
ficarias horrorizado, já que a tua verdadeira modéstia compreenderia que há
valores muito mais altos do que o futebol.
Sem querer meter-me
na vida alheia e pedindo desculpa por abordar este assunto, julgo que também
ficarias admirado com a “pensão” que o Benfica atribuiu à tua mulher. A maior
parte dos portugueses trabalhou quarenta anos ou mais, e recebe menos de um
décimo dessa quantia! Votado ao ostracismo quando a tua glória se eclipsou, foi
o Benfica que te deu, merecidamente, a mão, agora tornada hereditária.
Claro que ela não
tem culpa, até porque é humanamente agradável viver à custa da glória dos
outros.
Para terminar, e
porque sei que isto te faria rir, acho oportuno dizer que os ilustres deputados
que fazem as leis deste país deviam propor a substituição da esfera armilar da
nossa Bandeira por uma bola de futebol. Por sua vez, os castelos iriam sendo
substituídos, à medida que Eusébios e Ronaldos fossem desaparecendo, pelos seus
retratos.
Será talvez o
provável futuro desta ditosa Pátria, há várias décadas governada por ladrões,
corruptos e oportunistas. Salvam-se uns poucos que, por não quererem fazer
parte das quadrilhas, ou com medo da ‘censura’ da chamada Democracia, estão
calados e quietos.
Um grande abraço, do
planeta Terra para o Além.
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