MORTÁGUA, APARÍCIO, GRETTA E MAIS UNS PÂNDEGOS EM CRUZEIRO PELO MEDITERRÂNEO.
Em 1992 um grupo de “amigos de gente”* embarcou numa épica aventura, por mares há séculos por nós navegados (que Camões me perdoe) rumo a Timor com escala em Darwin no norte da Austrália. Entre eles estava o general Ramalho Eanes, facto que muito me admirou, pois trata-se de uma pessoa que muito respeito e conheci pessoalmente em casa de uma pianista minha amiga, já falecida. Ainda hoje me pergunto como embarcou em tal fantochada.
O objectivo era desembarcar em Timor e correr com os Indonésios de lá para fora. Ah! Isto é que era gente valente, capaz de envergonhar um D. Francisco de Almeida.
Chegados a Darwin, a tradicional valentia Lusitana desta vez esmoreceu, pelo que só poucos voltaram a embarcar para a etapa final. Como é sabido, uma frota indonésia barrou-lhes o caminho e não tiveram outro remédio senão voltar para trás. Tinham envergonhado, simplesmente os bravos navegantes de outrora!
Agora vai saír de Barcelona uma heroica expedição a caminho da maltratada faixa de Gaza por quase 80 anos. Motivo: levar alguns víveres e medicamentos para dois milhões de pessoas. A ideia não é má; pode ser que apareça por lá um novo Cristo que multiplique as latas de conserva e pílulas como o outro fez com os peixes e os pães. A esperança é sempre a última a morrer.
À frente desta fantástica odisseia encomtra-se a heróica Joana Mortágua, filha de um ladrão do Banco de Portugal, e incrivelmente amnistiado após o golpe de estado de 25 de Abril de 1974. Foi a época em que os bandidos viraram heróis e vice-versa; mas a verdade é que lugar de ladrão é na prisão!
Concluindo: era capaz de apostar que, tal como na aventura de Timor, nem vão chegar a pôr os pés em terra. Meia-volta volver porque os judeus têm o diabo no corpo. Ou, então, serão todos presos e pura e simplesmente deportados, tal como já acanteceu com aquela garota chamada Gretta. Arre que a miúda é teimosa!
Desabafo: ó Portugal ó Pátria amada; que palhaçada!
*Alberto Caeiro. Fernando Pessoa.
Ontem à tarde um homem das cidades
Falava à porta da estalagem
Falava comigo também.
Falava da justiça e da luta para haver justiça
Dos operários que sofrem,
E do trabalho constante, e dos que têm fome,
E dos ricos , que só têm costas para isso.
E, olhando para mim, viu-me lágrimas nos olhos,
E sorriu com agrado, julgando que eu sentia,
O ódio que ele sentia, e a compaixão
Que ele dizia que sentia.
(Mas eu mal o estava ouvindo.
Que me importam a mim os homens
E o que sofrem ou supõem que sofrem?
Sejam como eu – não sofrerão.
Todo o mal do mundo vem de nos importarmos uns com os outros,
Quer para fazer bem, quer para fazer mal.
A nossa alma e o céu e a terra bastam-nos
Querer mais é perder isto, e ser infeliz).
Eu no que estava pensando
Quando o amigo de gente falava
(E isso me comoveu até às lágrimas),
Era em como o murmúrio longínquo dos chocalhos
A esse entardecer
Não parecia os sinos duma capela pequenina
A que fossem à missa as flores e os regatos
E as almas simples como a minha.
(Louvado seja Deus que não sou bom,
E tenho o egoísmo natural das flores,
E dos rios que seguem o seu caminho,
Preocupados sem o saber
Só com florir e ir correndo.
É essa a única missão no Mundo,
Essa – existir claramente,
E saber fazê-lo sem pemsar misso.
E o homem calara-se, olhando o poente,
Mas que tem com o poente quem odeia ou ama?
“O Guardador de Rebanhos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa.
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