06/11/2009

CAIM! CAIM! CAIM…! (1)

MAIS UMA DISPARATADA POLÉMICA
NESTE DISPARATADO PLANETA

“Caim! Caim! Caim”…! Esta onomatopeia de gritos de dor usada nas bandas desenhadas, não corresponde, decerto, aos que se ouviam nas sinistras caves da “Santa”Inquisição, instituída pela “Santa” Madre Igreja, quando arrancava, através das mais diabólicas torturas, as “confissões de heresia” àqueles que, com ou sem fundamento, caíam nas suas garras. Seriam certamente urros inumanos que as espessas paredes daquelas caves abafavam, ou que ecoavam pelos ares quando as primeiras chamas começavam a lamber os pés dos condenados à fogueira nos espectaculares “Autos-de-Fé “. E o deus da Bíblia permitiu que os homens por ele criados, à sua imagem e semelhança cometessem, em seu nome, actos mais próprios de um ser diabolicamente sádico do que de um Deus infinitamente bom e que tudo perdoa.
E, já agora, convém lembrar, e isto é apenas um pequeno exemplo da nossa História, que o garoto-rei D. Sebastião, digníssimo netinho e sucessor de D. João III ,“O Piedoso"(!), introdutor da Inquisição em Portugal, foi propositadamente a Évora assistir ao grandioso espectáculo da queima em vida de mais de uma dezena de hereges. Depois arvorou-se em D. Quixote lusitano, e lançou-se na paranóica aventura marroquina com as consequências que todos sabemos. Ao menos, o também demente personagem de Cervantes limitava-se a combater carneiros e moinhos de vento.
Erros humanos, justificarão os que crêem e seguem essa igreja. Mas como conciliar tamanhas monstruosidades com uma instituição que diz representar um deus com os maravilhosos predicados que apregoa ?
Vem isto a propósito da disparatada polémica que, mais uma vez, surgiu entre José Saramago e a dita igreja, com os seus actuais, dignos e respeitáveis inquisidores, surgidos da poeira do tempo, a defenderem e a impor os seus paradoxos e frustrações a que chamam fé.
Alguém se lembra ainda de um tal Kruz Abecassis, já falecido, e que enquanto presidente da Câmara Municipal de Lisboa mandou demolir o cine-teatro Monumental e ameaçou destruir (talvez por força do hábito) o cinema onde se ia estrear o filme “Je Vous Salue Marie?
E de Sousa Lara, antigo subsecretário de estado da cultura, que tirou “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” da lista dos concorrentes ao Prémio Literário Europeu porque, segundo esse fanático, a obra não representa Portugal?
Apareceu agora um senhor Mário David, deputado do PSD em Bruxelas, a pedir a Saramago que mude de nacionalidade. Só nos faltava mais esta. Ficávamos apenas com o Prémio Nobel atribuído, em 1949, ao Prof. Egas Moniz pela descoberta da leucotomia pré-frontal, há muito posta de parte, mas que na época permitiu um controlo razoável dos doentes com esquizofrenia. Talvez não fosse má ideia voltar a aplicá-la àqueles que pretendem ver e impor tudo como querem que seja, ignorando o mundo que os rodeia, a bem da “moral e dos (chamados) bons costumes”.
Temos assim três grandes Inquisidores do nosso tempo: um ex-presidente de câmara, um ex-subsecretário de estado da cultura, e um actual deputado a representar Portugal no Parlamento Europeu. Tivessem eles vivido uns séculos atrás e teriam feito inveja a Torquemada. O primeiro fazia a pira; o segundo lançava-lhe fogo, para gáudio do anterior; o terceiro erguia a cruz para mostrar ao condenado, contorcendo-se e lançando gritos lancinantes no meio das chamas, como a misericórdia e perdão do Deus da Igreja Católica funcionam. Talvez os gritos fossem psico-somáticos, servindo a cruz de anestésico.
Não sou comunista e, de um modo geral, a Política pouco me interessa, visto que tenho coisas muito mais interessantes em que pensar. Mas respeito os ideais desse génio da literatura que se chama José Saramago. Como escrevi no artigo anterior, sempre procurei no eclectismo, seja qual for o tema, um modo de viver neste mundo de contradições.
Quanto à existência de Deus sou agnóstico e, como tal, não perco tempo em debates inúteis. No entanto esclareço que fui educado e obrigado a crer nos ensinamentos da Igreja Católica, ser forçado a assistir à missa dominical, e ouvir o catequista sem poder fazer perguntas. Porém, ao olhar o mundo que me rodeava, muito cedo comecei a duvidar de tantas coisas disparatadas e paradoxais que me impingiam, e que tinha de aceitar sem protestar. Era o o todo poderoso dogma castrador das mentes! Não vou, para já, expor essas contradições aqui. São tantas que resolvi deixá-las para outro texto. No entanto, vou citar uma que, pela sua comicidade, ainda hoje me faz rir, bem como a alguns dos meus amigos aos quais tenho contado. Ouvi-a nos anos cinquenta da boca do prior da Igreja de S. João de Brito, situada no bairro de Alvalade, na altura o mais moderno de Lisboa. Durante a chamada “prática”, esse senhor não arranjou melhor coisa para dizer que, no Verão, Deus enviava as moscas para nos castigar!!!. Espantoso, não é? E eu, com os meus dez ou onze anos, olhava para todos aqueles adultos que, respeitosamente e sem protestar, engoliam semelhante patranha que tanto tinha de ridículo como de absurdo.
Mas voltemos a Saramago ao qual acrescento todos aqueles, crentes ao não crentes, que contestam o Deus da Bíblia.
Todos eles, embora em minoria num país assumidamente católico, mas cuja Constituição define como estado laico, armam um alarido se alguém toca na sua crença. Mas as minorias não têm direitos? Porque será que temos de ouvir os sinos das igrejas, mesmo que haja protestos de alguns moradores das proximidades? E as procissões que em algumas povoações bloqueiam as ruas? E a televisão pública a transmitir horas a fio cerimónias religiosas como as peregrinações a Fátima, ou a permitir que Dina Aguiar se despeça com o clássico “se Deus quiser”, violando assim o mandamento que diz "não invocarás o santo nome de Deus em vão".
E, aquando da morte do Papa João Paulo II, em que tivemos de aturar horas a fio vendo os fieis a rezar para que ele não morresse (mas afinal não ia ter com Deus?) e, dias depois, com os rostos já enxutos e expressões transbordantes de alegria, paz e felicidade, tornar a ver os mesmos fiéis a darem vivas ao novo Papa. Rei morto rei posto, como é costume dizer-se. E já que falamos de Papas, ocorre a muito boa gente perguntar porque é que depois do atentado contra João Paulo II, ele e o seu sucessor passaram a deslocar-se num veículo à prova de bala, e rodeados da maior segurança? Não será uma provocação à chamada protecção divina? Afinal, e citando José Saramago, parece que o Deus da Bíblia não é de fiar, e deve ser por isso que põem pára-raios nas igrejas e outras protecções similares, não vá o Deus do mal, perdão, o Diabo, fazer das suas e colocar o seu criador, o Deus do bem, numa situação que nada tem a ver com omnipotencia. Ora isto parece-me completamente absurdo já que, no caso de um atentado fatal, Deus teria mais uma ocasião para mostrar os seus dotes vingativos no homicida, conforme fez, segundo a Bíblia, matando os primogénitos egípcios como represália ao decreto de Herodes. A meu ver, este episódio da Bíblia é o mais vergonhoso de todas as suas páginas, repletas de maldade e contradições
A Igreja Católica, sempre parada no tempo, opondo-se por todos os meios, mesmo os mais cruéis, a tudo e todos que tentam apontar-lhe os seus erros, usando como defesa um Deus que tudo perdoa mas que, quando lhe não convém, passa a ser uma divindade castigadora com suplícios eternos, ou que para angariar clientela ameaça atirar as crianças não baptizadas para essa coisa ignóbil chamada Limbo, não pode ter credibilidade. Perdão! esqueci-me que João Paulo II acabou com o 'Limbo' e com o 'Inferno'. Portanto, das duas uma: ou Deus mudou de ideias, ou o seu lacaio na terra desobedeceu-lhe.


Instituição sectária, dogmática e intolerante, que entre outras coisas irracionais faz do hímen da mulher (também presente nas fêmeas de muitos animais, desde a chimpanzé à mosca da Malásia) um dos seus principais dogmas, não quer compreender que o mundo de hoje tecnológico e científico, com as suas naturais consequências, evolui tão rapidamente que se arrisca a perder uma grande maioria dos seus adeptos num futuro não muito longínquo. Mas o problema é dela. Bento XVIII, se quiser, resolva o assunto. Albarda-se o burro conforme o dono.
E por hoje fico por aqui. Prometo voltar a esta disparatado assunto, ainda que saiba que daí nada virá de novo, já que a maioria das pessoas, seja por fé, ignorância, crendice ou simples estupidez, prefere viver de mitos.
“Todos aqueles que não têm espírito de crítica sobre tudo o que julgam ser uma certeza ou uma finalidade, estão condenados a alimentar-se de sombras” (citação do escritor de ficção científica Alfred Elton van Vogt no seu livro “Xadrez Cósmico”, nº 31 da Colecção Argonauta, e que foi uma das delícias literárias da minha adolescência).
Agora vou sair e comprar o livro de José Saramago. Penso que só encontrarei nele uma análise racional do deus bíblico mas, mesmo assim, estou interessado em lê-lo.

PS. Acabo de receber uma mensagem enviada por um amigo com o artigo de Vasco Graça Moura intitulado “Melhor Crer do que Ler?” Os meus parabéns ao autor, embora ache que peca por um excesso de erudição, bem como do uso de palavras latinas e de português antigo, que aliás não condeno, mas que, infelizmente, torna difícil a compreensão para a maioria das pessoas. Mas fiquei a saber que a leitura da Bíblia já esteve proibida em Portugal! Comentários para quê?


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