06/12/2009

CAIM…CAIM…CAIM…! (2)

DE FACTO A MAIOR CEGUEIRA É A DE QUEM NÃO QUER VER!

Continuando a pensar na disparatada polémica entre José Saramago e a Santa Igreja Católica Apostólica Romana, de seu nome completo, ocorreu-me uma frase do escritor grego Nikos Kazantzaki na sua novela “Alexis Zorba”, publicada em português como “O Bom Demónio” e levada ao cinema com o título de “Zorba, o Grego”: Tens fé, e uma lasca de uma porta velha transforma-se na santa cruz; não tens fé, e a santa cruz inteirinha transforma-se numa lasca de uma porta velha. É claro que quem leu o livro e depois viu o filme, notou que as muitas “heresias” constantes no primeiro, não aparecem no segundo, o que não é de estranhar, uma vez que o livro esteve no “índex”, esse censor da referida Igreja, à qual não convém que as pessoas abram os olhos. Creste porque viste; felizes os que creram e não viram. Ou ainda: bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus. Mas, e lembrando Vasco Santana no filme “O Pátio das Cantigas”, pergunto: onde é que já li isto? Mas que memória a minha! Na Bíblia, é claro, e também ouvi várias vezes quando era obrigado a assistir à Missa, até porque se faltasse a essa chatice cairia em pecado mortal, tal como um vulgar homicida não arrependido. Estranha equiparação de castigos! Mas era necessário manter a clientela, quanto mais não fosse para recolher esmolas, já que era uma vergonha os fiéis não darem nem que fosse um tostão, que sempre ajudava para mais umas dúzias de velas, hóstias, vinho e despesas afins. E já agora duas pequenas histórias da minha infância relacionadas com as missas. Como a crise continuava (e continua) presente, o prior da Igreja de Nossa Senhora de Fátima em Lisboa, informou os fiéis que no domingo seguinte seria ele, e não o sacristão, a pedir a clássica esmola. Temos de concordar que a ideia foi genial. E assim lá passou ele entre as pessoas, muito curvado e com ar humilde, enquanto as moedas prateadas e até notas de vinte escudos, uma pequena fortuna para a época, iam caindo na bandeja. Não me recordo da quantia que a minha mãe deu, mas os meus olhos seguiram-na a pensar nos chupa-chupas e rebuçados que poderia comprar, enquanto o prior possivelmente iria gastá-la naquelas rodelas de pão achatado que tínhamos de engolir sem mastigar e se colavam ao céu da boca, e numas garrafas de vinho.

A segunda história relaciona-se com o já referido pecado mortal que era faltar a essa chata cerimónia. Corria, se bem me lembro, o ano de 1958. Como era costume passava com a família as férias de Verão em Santo Amaro de Oeiras e, tal como em Lisboa, tinha que ir assistir à missa, sempre à espera do desejado "ite, missa est". Ora aconteceu que fomos convidados por uns amigos para um piquenique na praia do Guincho, exactamente num domingo. Dividida entre o "sacrifício" e o "prazer", a minha mãe foi pedir dispensa da missa desse domingo ao pároco da Igreja Matriz, já que o meu pai não se metia nesses assuntos. Assim obtivemos todos a respectiva autorização do senhor padre, ficando todos livres do fogo do Inferno desde que fosse só por essa vez. Como não havia "internet", ou "fax" e o alcance dos telefones era muito limitado, ainda hoje estou para saber como é que a cunha chegou ao Céu. Mas voltando atrás lembrei-me também de Albero Caeiro, um dos heterónimos de Fernando Pessoa, quando no poema “O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia”, diz que navega nele ainda, para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, a memória das naus, e ainda quando satiriza o Menino Jesus tradicional e cria o seu próprio, infantil, real e humano. Há um número infindável de casos que provam que cada pessoa, muitas vezes, só vê o que quer, seja por medo, por crença, por educação, ou por simples misticismo, ilusão, ignorância ou estupidez. A demagogia e a intolerelância surgem quando se acerba qualquer tipo de crendice e mergulha-se no fundamentalismo irracional, situação que se pode tornar dramática quando uma instituição ou alguém tenta impor aos outros os dogmas dos quais não quer ou não consegue libertar-se, seja por convicção ou por conveniência. Temos assim a profissão de missionário, ou seja, os pregadores das verdades deles, como escreveu Fernando Pessoa. Aí a razão e o positivismo cedem lugar às mais absurdas superstições, que podem ir da astrologia ao espiritismo, da quiromancia à vidência, até às religiões e crenças mais disparatadas. A magia, por exemplo, aparece como sendo a interpretação dada pelo homem aos fenómenos de força anímica na qual se revê. Só quando se vai afastando do mito para a razão e provando cientificamente a verdade dos factos, sem cair na aparência falsa ou pretendendo ver as coisas como quer, é que há progresso. A explicação científica é um produto da reflexão humana mas, infelizmente, só uma minoria nasce com esse dom e, devido à dualidade cósmica, tanto cai em boas como em más mãos. Quantas pessoas saberão, por exemplo, que no terceiro século antes de Cristo, o grego Eratóstenes, para além de afirmar que a Terra era redonda, determinou com um erro de apenas 114 Km. o perímetro do meridiano terrestre? Porém, o reino da ignorância humana voltou a imperar, vindo como sempre de todos lados. Na Europa a Igreja Católica, essa grande castradora das mentes, apoiando-se nas teorias de Pitágoras e Platão que recusaram a experimentação científica iniciada por Tales de Mileto e seguida por tantos outros como Demócrito, e durante pouco tempo restaurada por Aristarco de Samos três séculos depois, impôs a falsa doutrina geocêntrica durante toda a Idade Média, que por isso também é chamada “A Noite de Mil Anos”. Só uns poucos, como o frade inglês Roger Bacon, conseguiram brilhar nas trevas. Mas na realidade essa “noite” prolongou-se por muito mais de dez séculos, terminando "oficialmente" para a Igreja Católica, e no que respeita ao sistema solar, só no final do século passado quando o papa João Paulo II redimiu Galileu da sua "herética" teoria heliocêntrica. Espantoso! Tudo no Céu é estúpido como a Igreja Católica, escreveu Fernando Pessoa. Mas também no Inferno, no Purgatório ou no Limbo não reina a inteligência de um Deus omnipotente, omnisciente, e detentor de todos os “omnis” que lhe queiram atribuir, seja no Bem ou no Mal. Tudo isto são, após uma análise racional, interpretações da Bíblia, onde cada qual pode ver o que quiser ou até não ver nada, embora salte à vista a existência de um Deus criado à imagem e semelhança do Homem, como todos os outros Deuses, e não o contrário. Sempre a tendência, aliás muito natural, para todos tipos de antropomorfismos. Afinal não é o Homem "a medida de todas as coisas"? Mas o que é a Bíblia senão uma colectânea de narrativas, compiladas sem nexo e comprimidas num tempo e num espaço geográficos? Tendo como referência apenas o Antigo Testamento, facilmente se conclui que este foi escrito por um ou mais filósofos de um povo, que obviamente se intitulava e intitula o “Povo Eleito”, e que procurava explicar o início do mundo com os precários conhecimentos da época. É natural e existe em todas as crenças. Pretende também organizar a genealogia de Jesus Cristo, surgido como o salvador do seu povo tantas vezes oprimido, situação que em maior ou menor grau todos os povos passaram, mas que acabou por entregá-lo aos seus dominadores. Por bem fazer, mal haver. Como de costume, e em relação ao livro de José Saramago, apareceram logo os fundamentalistas a apregoar que este "tirou o texto bíblico do contexto histórico". Mas acho que ninguém nega que a Bíblia opoia-se em factos históricos e verdadeiros, como acontece com todas as lendas e textos da antiguidade. Quem conhece a “Ilíada” ou a “Odisseia” sabe que a primeira descreve a Guerra de Tróia e a segunda o atribulado regresso de Ulisses a casa, onde o esperava a sua fiel esposa Penélope e o filho Telémaco. As duas obras estão impregnadas das mais imaginativas fantasias, como as da Bíblia, próprias da época e da região onde os possíveis factos terão ocorrido. Já no Renascimento tornou-se vulgar adornar os poemas com as divindades dos chamados tempos mitológicos, e daí o nome desse período histórico. Também Camões em “Os Lusíadas” usou do mesmo processo, tendo até recebido o parecer favorável da Inquisição, cujo texto de um tal frei Bertholameu Ferreira termina assim: …toda via como isto he Poesia e fingimento, e o autor como poeta não pretende mais que ornar o estilo poetico, não tivemos por inconveniente ir esta fábula dos deuses na obra, conhecendo-a por tal, e ficando sempre salva a verdade da nossa santa fé, que todos os Deuses dos Gentios sam Demónios. E por isso me pareceu o livro digno de imprimir… Mas aqui surge a velha questão: se os deuses dos gentios são demónios, ou os muçulmanos são “infiéis”, o que é que nos pode obrigar a crer que só a Bíblia e o seu Deus são verdadeiros? Porque será que temos de acreditar sem hesitações nesse Deus e não num Marduk, num Osíris, num Zeus ou num Wotan,? Por serem personagens de religiões politeístas? Mas, tal como nessas crenças existe sempre um chefe e toda uma hierarquia à imagem e semelhança das sociedades humanas. A ideia de um só Deus surgiu no Egipto cerca de 1350 antes de Cristo, portanto antes de Moisés, quando o faraó Amenófis IV impôs uma religião monoteísta, tomando para si o nome de Akhenaton que, em egípcio antigo, significa “o espírito actuante de Aton“, sendo Aton o disco solar, símbolo da vida, da verdade e do amor. Esta concepção opunha-se à religião oficial, dominada por um clero que formava um estado dentro do estado, situação que se vem repetindo ao longo dos séculos e em todos os lugares. Como é óbvio pouco tempo durou, até porque um romance com um só personagem desperta pouco interesse. Falta-lhe toda uma trama de intrigas, ódios e paixões, vinganças e perdões, guerras e tréguas, tão do agrado da espécie humana. E talvez seja por isso que surgiu o chamado mistério da Santíssima Trindade, dogma fundamental da Igreja Católica para fazer as pessoas acreditarem no sobrenatural. Como escreveu Nikos Kazantzakis na obra supracitada, os profetas só têm para transmitir aos seus seguidores uma mensagem imprecisa; e quanto mais imprecisa for essa mensagem, maior será o profeta. Não é preciso muito esforço para concluir (cada qual pode ver as coisas como quiser) que a religião católica é politeísta; senão, vejamos: Há um só Deus em três pessoas distintas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo que, talvez por mera coincidência, são todos machos. Depois temos o Belzebu do Novo Testamento, um Deus do Mal, também chamado Diabo ou Demónio, mas criado pelo tal Deus infinitamente bom, e toda uma “tropa” de anjos, arcanjos, querubins, serafins, santos, santas, Maria (as mulheres finalmente aparecem) e, já na terra, o papa, os cardeais, os bispos, os priores, os sacerdotes, etc...etc. (que me perdoem os que foram omitidos). Até houve gigantes que, segundo a Bíblia, …depois que os filhos de Deus tiveram comércio com as filhas dos homens, geraram estas filhos, que foram homens possantes e afamados no século. (Génesis Cap.6 nº 4). Também na mitologia escandinava temos gigantes representados por Fasolt e Fafner, personagens da Tetralogia de Wagner “O Anel do Nibelungo”. Na verdade todo o Céu da Bíblia assemelha-se ao paganismo de um Walhalla ou de um Olimpo. Deve ser por ter de aceitar a referida “tropa” que quando entramos numa igreja católica vemos aquele espectáculo deprimente de todo o tipo de estátuas, relíquias e caixinhas a pedir esmola para os santos e santas que o Vaticano inventou para aliciar os crentes, e que os seus funcionários apoiam e aproveitam. Que diferença entre uma igreja protestante, onde normalmente o pároco é casado, e se vê respeitado o mandamento que diz: Não farás para ti imagem de esculptura, nem figura alguma de tudo o que ha em cima no céu, e do que ha em baixo da terra, nem de coisa, que haja nas aguas debaixo da terra. Não as adorarás, nem lhes darás culto: porque eu sou o Senhor teu Deus, o Deus forte, e zeloso, que vinga a iniquidade dos paes nos filhos até á terceira, e quarta geração d’aquelles que me aborrecem: E que usa de misericórdia até mil gerações d’aquelles que me amam, e que guardam os meus preceitos. (transcrição dos números 4 a 6 do capítulo 20 do Êxodo, na edição da Bíblia de 1913 aprovada em 1842 por Dª Maria II e traduzida da Vulgata Latina pelo padre António Pereira de Figueiredo). Temos aqui um dos muitos exemplos vingativos e adulatórios do Deus da Bíblia, bem como da hipocrisia da Igreja Católica. Deve ter sido na vingança hereditária que La Fontaine se inspirou ao escrever a fábula “ O Lobo e o Cordeiro”. Surge a propósito a velha história do pecado original que foi confirmado no Concílio de Trento realizado de 1545 a 1563, e que entre outras medidas para combater a Reforma de Martinho Lutero, reorganizou a Inquisição e fixou o texto da Bíblia, que foi traduzida da versão grega para latim por S. Jerónimo no século IV, passando a ser designada por Vulgata. Considerando a antiguidade da Bíblia, é caso para perguntar o que resta do texto original depois de tantas cópias e traduções, sujeitas aos erros mais grosseiros devidos a falhas, pressões ideológicas ou conveniências político-sociais. Dirão os crentes que as mãos dos que a escreveram foram sempre orientadas por Deus. É sempre a velha desculpa quando não se encontra explicação para aquilo em que se acredita e se tem, aliás muito humanamente, a razão ofuscada pela fé ou pela ignorância cega. Tive um colega “Testemunha de Jeová” que apostou comigo que o mundo acabaria em 1973, segundo “cálculos” efectuados após um estudo aprofundado da Bíblia. Também afirmava que o mundo tinha sido criado por Deus apenas há seis mil anos e que a datação da idade dos fósseis pelo carbono 14 era falsa! E ficou indiferente após a trágica morte de uma filha de quinze anos, já que após a ressurreição voltariam a encontrar-se e viver eternamente! Outro ainda, comunista faccioso e falecido antes da queda da União Soviética, trouxe uma porção de terra quando visitou a Rússia, dizendo que era “terra sagrada”. Estes dois exemplos mostram como a cegueira humana pode relegar a mente para as crenças mais fundamentalistas, mesmo que o tempo venha provar que são absurdas e ridículas, seja em que campo for. O corpo de Lenine foi embalsamado e exposto para adoração dos seus fiéis como a Igreja faz com as relíquias dos seus santos e das suas estátuas. Ainda me lembro, julgo que há cerca de cinquenta anos, da fantochada que foi a trasladação de um braço de S. Francisco Xavier da Índia para Portugal. E, ainda este ano, quando o cimento do Cristo-Rei em Almada recebeu de braços abertos (é óbvio que a rigidez do betão não lhe permitiu fechá-los) o gesso da chamada Senhora de Fátima, continuando a violar o mandamento já aludido. E depois querem impingir-nos a superioridade do espírito sobre a matéria. De facto, maior que o universo só a estupidez humana. Mas será que estou a chamar estúpidos àqueles que acreditam em Deus? De modo algum. Leibniz e Einstein, para só citar estes, foram crentes convictos, tendo o primeiro afirmado, que sendo o mundo a obra de um deus infinitamente bom, tudo o que existe tem de ser perfeito, concluindo assim que "tudo corre pelo melhor no melhor dos mundos possíveis". Este dogma absurdo, denominado "O Optimismo", foi severamente criticado por Voltaire que, após ter conhecimento do terramoto de Lisboa de 1755, escreveu uma pequena obra intitulada “Candide” na qual ataca, entre outros poderes como o militar, o da Igreja Católica, que não hesitava em queimar os hereges afim de evitar catástrofes naturais. Este livro deu origem à genial ópera homónima de Leonard Bernstein composta em 1952. Por sua vez Einstein lutou até morrer para encontrar uma teoria que conciliasse a Relatividade com a Teoria Quântica, já que Deus nunca poderia ter criado um universo onde a improbabilidade existe. Se tivesse vivido mais alguns anos, teria assistido às primeiras aplicações práticas da mecânica quântica, como os transistores, os computadores e os telecomandos. Como se vê, até as maiores inteligências podem ser bloqueadas pela fé. Afirma-se, para desculpar Deus das imperfeições do mundo que criou, que ao homem foi dada a faculdade de actuar segundo a sua consciência. Mas se Deus é omnisciente já sabia como ele iria proceder. Qualquer pessoa, mesmo ignorante, sabe que brincar com o fogo pode conduzir a resultados desastrosos. Mas de entre vários factos narrados na Bíblia que contrariam o livre arbítrio do homem há aquele que relata as chamadas sete pragas do Egipto, e que passo a transcrever tal como vem na já referida edição de 1913: E disse o Senhor a Moysés: eis ahi te constitui deus de Pharaó, e Arão teu irmão será o teu propheta… e elle falará a Pharaó, para que deixe sair os filhos de Israel da sua terra. Mas eu endurecerei o seu coração, e multiplicarei os meus prodígios e maravilhas na terra do Egypto. E não vos ouvirá: e eu estenderei a minha mão sobre o Egypto, e farei sair de lá os filhos de Israel… (números 1 a 4 do capítulo 7 do Êxodo). E assim Deus endureceu e amoleceu o coração do faraó, jogando a seu bel-prazer com avanços e recuos a libertação do “seu” povo, cuja situação de escravatura já durava há 400 anos, e depois de mais peripécias como o pilar de fogo e a abertura do mar Vermelho com os egípcios sempre no encalce, situações dignas de um filme de “suspense”, fê-lo caminhar durante 40 anos pelo deserto à procura da chamada Terra Prometida, finalmente “encontrada” após a Segunda Guerra Mundial, com todos os problemas que daí advieram. Até já sabia que o faraó, na altura Ramsés II, não os ouviria. Como referência a um Deus infinitamente perfeito, esta história está muito mal contada. E temos depois a subida de Moisés ao Monte Sinai para receber os Dez Mandamentos, muito depois da criação do homem, do dilúvio, e por aí fora. Assim Deus foi emendando a sua obra reconhecendo que estava muito longe de ser perfeita.

Concluíndo: Ao fim de milhões de anos de evolução e com o homem já "pronto" havia muito tempo, Deus reparou finalmente que este se portava mal e, depos de muito matutar, resolveu intervir com dilúvios, mandamentos, persiguições, ameaças, castigos, etc. que, curiosamente, só atingiam uma pequena parcela da Terra, onde vivia o "seu povo", o chamado Povo Eleito. Enfim; são apenas parcialidades! Como isto não deu resultado, séculos depois enviou o seu filho (seria mesmo?) outra vez para a Palestina para que, morrendo cruxificado, levasse com ele todos os pecados do mundo e nos salvasse não sei de quê, já que a morte, como consequência necessária da vida terrena, foi por ele criada. Mas, "Deo gratias": Cristo ressuscitou ao fim do terceiro dia e a guerra, a fome, a miséria, a maldade e todos os horrores que Deus na sua omnisciência sabia que iriam seguir-se à criação do mundo, desapareceram para sempre na cegueira daqueles que não querem ver ou, pior ainda, que só vêm o que querem . Apenas alguns, já com a vista cansada, tentam meter cunhas agora à chamada virgem Maria, e cantam hinos do género faz com que a guerra se acabe na terra. De facto, a Jesus por Maria é uma frase muito ouvida da boca das entidades eclesiásticas. E, pela minha parte poderei acrescentar: A Deus por Jesus, seu filho, já que o primeiro se encontra muitas vezes distraído ou preocupado com outros assuntos, e precisa que lhe chamem a atenção para quem necessita dos seus préstimos, situações pouco próprias de um ser infinitamente perfeito. Trata-se de uma espécie de Concílio dos Deuses onde, no primeiro canto de “Os Lusíadas”, Vénus intercede perante Júpiter pelo sucesso da viagem de Vasco da Gama. Um dos meus melhores amigos, que tal como eu esteve na África durante a Guerra Colonial, conta que a mãe lhe escrevia dizendo que rezava muito por ele. Como resposta, e certamente para horror e escândalo da bondosa e saudosa senhora, o meu amigo respondia que como tenho uma cunha lá vou escapando; aqueles que a não têm é que se "lixam". É claro que isto só em parte é verdade, já que muitos se “lixaram” apesar das cunhas em que os portugueses são mestres. Basta pensar que quando há uma tragédia os que se salvaram foi graças a Deus. Ninguém diz o mesmo em relação aos que morrem., apesar de irem para a vida eterna. Mas e seguindo uma análise histórica simplista, quem foi Jesus Cristo, e todos outros ungidos deste mundo? (a palavra Cristo vem do grego “kristós” e significa ungido, untado, o que deu posteriormente “o que recebeu a santa unção”, “o Ungido do Senhor”). Tudo indica, a crer nos Evangelhos, que foi um homem que através de um certo misticismo tentou levantar o seu povo contra a dominação romana, tal como Moisés fizera séculos antes em relação aos egípcios, embora haja muitas dúvidas históricas sobre a permanência no Egipto de judeus na condição de escravos. Ele próprio intitulava-se rei do seu povo, mas o seu poder persuasivo foi tão pequeno que acabou por ser entregue ao governador romano Pôncio Pilatos. Este, apesar de ser tão criticado pelos crentes, fez o que podia, embora o Direito Romano tal não consentisse. Mas Roma estava longe e, como bom político que era, lavou as mãos de uma responsabilidade que, de facto, não era sua. Como lenda temos o seu poético nascimento sobre as palhinhas de um estábulo, parido por uma “virgem” (sempre o gravíssimo problema do hímen feminino), perante o olhar contemplativo do pai que afinal não era pai dele. Como prémio de consolação promoveram o carpinteiro a santo, o que não costuma acontecer com aqueles cuja testa fica maior. Mas adiante. Os funcionários da Igreja Católica têm a mania de condenar quem não acredita na ressurreição de Jesus Cristo. Mas será que ele morreu na cruz? A crucificação, normalmente destinada aos escravos, foi um dos mais cruéis suplícios inventados para a execução lenta de uma pessoa. Aquele aparentemente simples pormenor de colocar um apoio debaixo dos pés, servia para o condenado encontrar algum “alívio” para as dores que os pregos lha causavam. Assim que a cruz era erguida começava o verdadeiro suplício. Não podendo suportar o corpo com os braços, com os pregos a lacerarem-lhe os pulsos, onde estes na realidade eram cravados, tentava apoiar-se nos pés e, assim, era invadido por outra onda de dor. Começava então a tremenda luta para manter a mesma posição, o que se tornava impossível devido à fadiga muscular. Surgiam então as cãibras, a infecção das feridas e todo um conjunto inenarrável de sofrimentos tão do agrado da “Santa” Inquisição, embora sob outras formas não menos cruéis. Como é óbvio seria um pecado grave aplicar aos hereges os mesmos sofrimentos de que Cristo padeceu, tendo sido talvez por isso que a crucificação não fazia parte do catálogo dos inquisidores, ou então porque o assado de um ser humano vivo, acompanhado de horríveis contorções e gritos lancinantes, era muito mais espectacular e mais limpo do que sangue, suor, fezes e urina a escorrerem de uma cruz. Finalmente, e ao fim de três ou quatro dias, o desgraçado acabava por morrer por asfixia se antes não lhe quebrassem as pernas, não fosse estar vivo num dia de sábado. Ora e segundo os Evangelhos, a crucificação dos três condenados ocorreu numa sexta-feira e a morte de Jesus ocorreu entre três a seis horas após o seu início. Será possível que um homem de 33 anos, mesmo depois dos espancamentos a que foi sujeito, morra tão rapidamente enquanto aos dois ladrões foi necessário fracturar as pernas para não estarem vivos no dia seguinte? E a esponja impregnada em vinagre, que tem algumas propriedades analgésicas e era muitas vezes utilizado para atenuar o sofrimento dos crucificados, não teria uma droga qualquer que fez com que Cristo parecesse morto? É certo que da ferida provocada pela lança do soldado jorrou sangue e água, prova da morte por colapso pulmonar. Mas esse efeito poderia ter sido resultado de um simples truque ao alcance de qualquer prestidigitador. O que de facto interessa é que os quatro Evangelhos concordam em que a morte ocorreu imediatamente após a ingestão do vinagre, tendo Jesus dito que tudo estava consumado. Já em relação à ruptura do véu do templo e aos fenómenos que aconteceram logo após a morte não há consenso. S. João a nada se refere e, por outro lado, S. Mateus chega a dizer que nesse momento abriram-se as sepulturas; e muitos corpos de santos, que eram mortos, ressurgiram. Sempre as trapalhadas do costume! Mas mesmo que tivessem ocorrido, tratou-se apenas de fenómenos locais, não observados em mais nenhuma parte do mundo. Melhor do que isto só a famosa “dança do sol” vista apenas em Fátima em Outubro de 1917 . Assim que morreu ou ficou narcotizado houve a preocupação de o tirar rapidamente da cruz, e veio José de Arimathéa, illustre senador, que também elle esperava o reino de Deus, e foi com toda a resolução a casa de Pilatos, e pediu-lhe o corpo de Jesus. E Pilatos se admirava de que Jesus morresse tão depressa. E chamando o centurião, perguntou-lhe se era já morto. E depois que o soube do centurião, deu o corpo a José. E José, tendo comprado um lençol, e tirando-o da cruz, amortalhou-o no lençol, e depositou-o num sepulchro que estava aberto em rocha, e arrimou uma pedra à bocca do sepulchro . Entretanto Maria Mgdalena, e Maria mãe de José, estavam observando onde elle se depositava. (Números 43 a 47 do capítulo 15 do Evangelho segundo S. Marcos da edição supracitada). É óbvio que cada um pode interpretar este relato como quiser, mas se acrescentarmos que José de Arimateia teve a preocupação de levar consigo folhas de aloé, conhecidas pelo seu poder cicatrizante, e não ervas para embalsamamento, começa a tornar-se evidente que a crucificação foi um embuste genial para salvar Jesus Cristo da morte. Aliás, mesmo que tivesse morrido e ressuscitado, teria sido facílimo para o seu omnipotente pai realizar esse milagre. Mas, mesmo que tenha morrido e voltado à vida, o que é que o mundo lucrou com isso? Em Roma bem como em todo o mundo, incluindo os então desconhecidos povos americanos, a vida continuou como até hoje com todas as perfeições e imperfeições que a caracterizam. Já Eça de Queiroz em “A Relíquia” satiriza a encenação que foi a crucificação de Cristo, e hoje cada vez se encontram mais provas de que Jesus (que obviamente só terá aparecido aos seus discípulos) conseguiu fugir da Palestina com a mãe, os irmãos e Maria Madalena, com quem acabou por casar. Surgem porém dúvidas para onde terá fugido. Duas hipóteses baseadas em tradições e lendas locais apontam, com um certo fundamento, para Caxemira ou para a Gália, a actual França. Embora esta última seja a mais verosímil, segundo os actuais estudiosos, surge a objecção de a Gália estar na altura sob a dominação romana, o que equivalia a uma mais que provável crucificação, desta vez a sério. A menos que tenha conseguido chegar a uma aldeia gaulesa “que resiste ainda e sempre ao invasor”. (esta é para os amantes de Astérix). E vou terminar esta lengalenga sabendo que se alguém a ler e for crente, lançará sobre mim todos os anátemas, dependendo do seu grau de fundamentalismo. Assim poderei ser classificado apenas como um ignorante que se mete em assuntos de que nada percebe, ou ser votado à condenação eterna. Pelo caminho fico sujeito a penas mais leves, como insultos a minha mãe ou à minha mulher, ou ainda a preces pela salvação da minha alma. Mas como depois de morrer irei à presença de Deus para ser julgado, e por outro lado e segundo a Bíblia ressuscitarei para o mesmo fim quando o ”mundo acabar”, fico bastante baralhado quanto ao juízo que terá valor. Mas pode ser que o segundo actue como recurso ao Supremo Tribunal Divino da sentença proferida no primeiro. AMEN! Como lógico que sou, e não pensando apenas neste nosso planetazito, mas sim na extensão de um Universo que a astronomia cada vez dilata mais, desde há muito que sou agnóstico. E como gosto de aprender e também de ensinar o pouco que sei, e considerando que nem todos sabem o que significa agnosticismo, esclareço que é um termo arranjado por Thomas Huxley, biólogo inglês do século XIX, por oposição a gnosticismo, na palavra grega “ágnôstos” que significa «ignorante», «que é impossível conhecer». Por sua vez este adjectivo deriva do verbo da mesma língua “agnôein”, que se pode traduzir por «não saber», «ignorar». Huxley arranjou esta palavra para se opor ao dogmatismo da Igreja que sempre pretendeu ser a dona da verdade contra as realidades científicas. Assim trata-se de uma doutrina que defende como inacessíveis à compreensão humana os problemas postos pelas religiões ou pela metafísica, como a existência de Deus e do Universo, e a clássica interrogação de quem somos, porque somos, donde viemos, porque viemos, para onde vamos e porque vamos. Enfim, toda a razão de ser de tudo o que existe. Esta doutrina também foi seguida por Charles Darwin, outro proscrito. De um modo mais restrito pode enunciar-se assim: não acredito em Deus porque não posso provar a sua existência; não nego Deus porque também não posso provar que não existe. Isto no que se refere a um Deus que estará fora de qualquer religião, porque o Deus da Bíblia , Alá, Buda, Xiva e todos os que as religiões inventaram, não podem ter a mínima credibilidade. Seja como for a Igreja Católica se quiser conquistar ou, no mínimo, manter a sua clientela, terá de modificar muitas coisas, o que não parece muito do consenso do actual papa Bento XVI, que já foi acusado de ocultar padres pedófilos num documentário realizado pela BBC e transmitido há alguns anos pela SIC às quatro horas da madrugada, claro! Em 1971 no seu livro “Fátima Desmascarada", João Ilharco escreveu: Se a Igreja Católica pretende ser o guia espiritual de centenas de milhão de indivíduos, tem de rever os seus processos de acção e pô-los de acordo com a mentalidade do homem moderno. Ora desde esse já longínquo ano de 1971, o mundo mudou drasticamente no que respeita às Ciências e às Tecnologias. Só as bases como o amor ou o ódio, a paz ou a guerra, o perdão ou a vingança, continuaram e continuarão a manter-se por mais orações que as religiões façam a um Deus que se mostra totalmente indiferente ao mundo que dizem ter sido por ele criado. Sempre a tendência humana para explicar com divindades o que não consegue entender... E já que falámos deste livro lembremos que o autor lançou no final um desafio, por carta registada, a dois dos principais dirigentes de Fátima, o bispo de Leiria e o cónego Galamba de Oliveira. Nesse repto desafiou os seis teólogos mais abalizados em ciência fatimista para, perante as câmaras da RTP, contestarem as afirmações feitas em “Fátima Desmascarada”. Se não fosse aceite, todo o livro seria considerado verdadeiro, provando assim o embuste das aparições. Claro que não houve resposta, mas até sinto alguma pena da atrapalhação desses dois senhores perante tal desafio. Mas, na verdade, o calado é o melhor. Se o tivessem aceite e não soubessem defender convenientemente a sua dama, cairiam certamente na alçada dos seus patrões, ou sob a ira dos chamados “Doutores da Igreja”, entre os quais se encontra um monstro chamado Cirilo que acirrava a populaça cristã contra os que não seguiam o Cristianismo. Entre as múltimas vítimas desse possesso de Deus, conta-se a filósofa e matemática grega Hipácia, nascida em Alexandria em 370 D.C., e esfolada viva em 415 pela turba cristã. Pois esse monstro foi canonizado e proclamado "Doutor da Igreja", sendo hoje adorado como São Cirilo. No outro extremo destes estranhos "doutouramentos", "canonizações" e "beatificações" estão duas pobres e inocentes crianças, ignorantes, analfabetas e precocemente falecidas, metidas à força na fábula de Fátima. Chamavam-se Jacinta e Francisco. Como facilmente se depreende, a crueldade e a pureza andam de mãos dadas no seio da Igreja Católica. Mas disso não se fala, como é óbvio. Nero e outros imperadores romanos é que foram oa maus da fita. A história das represálias depois realizadas pela Cristandade, estilo olho por olho dente por dente, não consta das homilías dos funcionários do Vaticano.

Quanto à outra criança, uma tal Lúcia que julgava que a Rússia era uma senhora feia e má, tal como as madrastas das histórias dos irmãos Grimm, foi isolada até ao fim da sua longa vida. Nem sequer a deixaram ir ao enterro da mãe, e só podia falar a estranhos perante um funcionário da Igreja. Curiosamente as chamadas aparições aconteceram em 1917, ano da Revolução de Outubro ocorrida na Rússia. Para quem defende as leis e regras dessa sinistra instituição chamada Igreja Católica Apostólica Romana, não há como instituir uma espécie de PIDE ou KGB, com todos os Sousas Laras e Mários Davides à frente, não vá aparecer mais algum "herege" tipo Saramago a desmistificar as suas crenças absurdas. Apesar de tudo, e talvez devido a uma ligeira abertura, já não temos as fogueiras da Inquisição. Será por isso, por estarem fora de moda, ou porque a carne humana queimada irradia, para as narinas mais sensíveis, um cheiro nauseabundo? Seja porque motivo for, penso ficar livre desses horrores, o que não aconteceu a milhares de desgraçados. E digo penso porque, como não sou omnisciente, ignoro o que me espera no dia de amanhã. Se esse bom Deus que tudo perdoa e simultaneamente castiga com suplícios eternos, e gosta de ver aqueles que criou a sofrer e rastejar para conseguirem a "salvação", absolva-me ou condene-me à pena que entender. Pelo menos, e porque não sou rico, tenho algumas hipóteses de entrar no chamado Reino dos Céus e ficar junto aos pobrezinhos e remediados deste mundo, vogando com eles pelos caminhos da eternidade. Até porque qualquer pateta percebe que é impossível um camelo passar pelo buraco de uma agulha. (esta é para bom entendedor). Mas, se algum dia vier a acreditar num Deus, nunca se sabe, certamente que não será nesse. Talvez seja algo parecido com o Menino Jesus de Alberto Caeiro... E chega. A nada este texto vai conduzir mas, ao menos, fez-me bem ao fígado e, quem sabe, também a alguns órgãos externos, como os dedos por exemplo, que são capazes de fazer os mais variados gestos. P.S. Aos crentes no Deus da Bíblia que sejam lúcidos ou não se portem como avestruzes, sugiro que vejam na internet as encantadoras imagens dos instrumentos de tortura tão do agrado da “Santa” Inquisição, e aprovados (ou ignorados) pelo seu Deus infinitamente bom. Às vezes é melhor ver do que crer, quanto mais não seja para não morrermos estúpidos, ou o que é pior, ignorantes. Aos inventores e utilizadores desses instrumentos, envio um póstumo e comovido DEO GRATIAS!


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