“TÊVÊPUBLICIDOFOBIA”
Tal como “O Terceiro Segredo
de Fátima”, este artigo não é meu. Fui encontrá-lo entre as minhas papeladas, e
julgo que será divertido e interessante para aqueles que se lembram da
publicidade que a RTP nos impingia na década de sessenta.
Oxalá fosse apenas nessa
época já tão longínqua que, apesar de tudo, era
uma gota de água relativamente ao que os pagantes da taxa têm de aturar,
ainda por cima com o aumento ilegal do volume do som.
Apareceu na rubrica Notícias da Capital e Província, na edição de 30 de Abril de 1966 do antigo
vespertino lisboeta “Diário Popular”.
Como simples curiosidade,
menciono alguns dos títulos daquela página: “Ferroviários agradecidos ao Diário
Popular”, “Raptado e roubado em condições estranhas”, “Atropelou três homens e
pôs-se em fuga”, “Em ruína o pavimento da Rua da Palmeira” e “Militares
falecidos no Ultramar”. Esta última, oriunda de Moçambique, é divulgada em
caixa pequena, como é óbvio. E, a propósito, recordo que, menos de um mês
depois, eu embarcava para Angola no “Niassa”, cumprindo o serviço militar
obrigatório, do qual continuo a escrever a história.
Agora, vou transcrever
exactamente o texto publicado com o título supracitado, e a nota introdutória
da redacção do jornal. De notar que as frases escritas entre aspas e a negrito,
correspondem às de anúncios que o autor utilizou no seu protesto.
O
título não é nosso – e a prosa também não. A carta que publicamos a seguir,
assinada pelo Sr. Flávio Duarte, da rua Alberto de Oliveira, 27, 1.º, dto., tem a particular virtude de
ter graça sem ofender.
Limita-se a
examinar um facto e a comentá-lo com uma ironia bem Portuguesa.
“Sr. Director –
Protesto! Protesto com quanta força
que me é dada por esta saúde de ferro que tenho, desde que uso “o elemento ideal para barrar o pão”, pois
“já comi a papinha toda”; protesto
contra o uso e abuso dos anúncios na Televisão!
“Estou
como nunca”, “estou gordo como um autêntico porco”, com tantos e tantos
anúncios, com tanta publicidade, que a toda a hora o pequeno écran e e os respectivos altifalantes
nos fazem chegar à vista e aos ouvidos. “Um
mau televisor é um prazer negativo”; certíssimo, tão certo como “aquela única lâmina fazer a barba aos tais
quinze barbeiros; ora “o progresso
exige conhecimento” e eu, francamente, não tenho interesse nenhum em tomar
conhecimento com o “ segredo que está
debaixo da capa”!
Eu, é certo, já “estou protegido por um escudo invisível”, (o interruptor) contra
os malfadados anúncios do Lumiar; contudo, se eu comprei um aparelho com “o melhor som e a melhor imagem”, não
foi “grátis com facas de sobremesa”; tenho
“a sede que se deseja” de “mesmo no escuro” poder um dia assistir
a um programa sem publicidade.
Não poderei um dia convidar uma vizinha e
dizer-lhe: “vais ter uma surpresa”,
anda assistir a um programa branco de anúncios? Não! E não, porque “essa brancura, vizinha”, é tão etérea
como “o gás que está onde tu estás”.
Protesto contra os anúncios! Não é nada…numa
destas últimas terças-feiras no programa “Sétima Arte”, antes da fita (já
velhota, coitadita!) começar, foram 16 anúncios; no primeiro intervalo, 14; no
segundo intervalo, 13 e no final, até à “Meditação”, mais 12! Bolas para tanto
anúncio!
“Envelhecido
pelos anos”, não por “superstição,
isso era dantes”, mas porque agora já vão sabendo bem umas pantufas “leves, quentes e macias”, porque as “pessoas saudáveis sentem-se bem com a sua
pele”, dispõe-se uma pessoa a saborear um bom programa de televisão, após
um jantar leve e digestivo, porque “o
peru é para o Natal”, e eis que lhe sai “a maior taluda de todos os tempos”; mesmo sem ter que dar “duas
recargas vazias”; “num só esguicho e pronto”, antes do Telejornal e depois
do “manda-chuva” , chovem os anúncios que são a nova “fibra de eterna juventude” para a Tesouraria da R.T.P.
“É
chique a valer”, “para as pessoas de bom gosto”, correr a comprar quantos
detergentes, pomadas, perfumes, dentífricos, bilhas de gás, fibras,
esquentadores, talheres, espumantes, sanitas, esfregões, tintas, sabonetes,
totobolas, eu sei lá! O pequeno écran nos
despeja todas as noites a poucos palmos da carpete.
Contudo, como “uma chama viva onde quer que viva”, vive em mim latente a forte
determinação, tão certa “como nove em
cada dez estrelas”, de “não ir atrás
do choro”.
Ah! “Quem
acerta no treze tem a fortuna em sua casa”, mas cuidado! Não compre
televisão, senão…já sabe: ANÚNCIOS E MAIS ANÚNCIOS! Anúncios que “trituram, espremem, batem, liquidificam” e
SATURAM!!!
Ah! Não vir aí um “cheirinho a primavera” que nos faça “parar, olhar e escutar” para a “sensacional oferta”, como “chave
do problema” da malfadada publicidade. Essa publicidade “sempre certa da sua beleza”, ela “quer lá saber?”; é uma “água quente para toda a gente” que nos
aquece o juízo e nos dá uma lavagem ao cérebro, com tantos detergentes,
sabonetes, esfregões, etc., etc.,… e não protesto mais “porque estou rouco!”
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