14/03/2015

TÊVÊPUBLICIDOFOBIA”

Tal como “O Terceiro Segredo de Fátima”, este artigo não é meu. Fui encontrá-lo entre as minhas papeladas, e julgo que será divertido e interessante para aqueles que se lembram da publicidade que a RTP nos impingia na década de sessenta.
Oxalá fosse apenas nessa época já tão longínqua que, apesar de tudo, era  uma gota de água relativamente ao que os pagantes da taxa têm de aturar, ainda por cima com o aumento ilegal do volume do som.
Apareceu na rubrica Notícias da Capital e Província, na edição de 30 de Abril de 1966 do antigo vespertino lisboeta “Diário Popular”.
Como simples curiosidade, menciono alguns dos títulos daquela página: “Ferroviários agradecidos ao Diário Popular”, “Raptado e roubado em condições estranhas”, “Atropelou três homens e pôs-se em fuga”, “Em ruína o pavimento da Rua da Palmeira” e “Militares falecidos no Ultramar”. Esta última, oriunda de Moçambique, é divulgada em caixa pequena, como é óbvio. E, a propósito, recordo que, menos de um mês depois, eu embarcava para Angola no “Niassa”, cumprindo o serviço militar obrigatório, do qual continuo a escrever a história.

Agora, vou transcrever exactamente o texto publicado com o título supracitado, e a nota introdutória da redacção do jornal. De notar que as frases escritas entre aspas e a negrito, correspondem às de anúncios que o autor utilizou no seu protesto.

  O título não é nosso – e a prosa também não. A carta que publicamos a seguir, assinada pelo Sr. Flávio Duarte, da rua Alberto de Oliveira,   27, 1.º, dto., tem a particular virtude de ter graça sem ofender.
  Limita-se a examinar um facto e a comentá-lo com uma ironia bem Portuguesa.

  “Sr. Director – Protesto! Protesto com quanta força que me é dada por esta saúde de ferro que tenho, desde que uso “o elemento ideal para barrar o pão”, pois “já comi a papinha toda”; protesto contra o uso e abuso dos anúncios na Televisão!
  “Estou como nunca”, “estou gordo como um autêntico porco”, com tantos e tantos anúncios, com tanta publicidade, que a toda a hora o pequeno écran e e os respectivos altifalantes nos fazem chegar à vista e aos ouvidos. “Um mau televisor é um prazer negativo”; certíssimo, tão certo como “aquela única lâmina fazer a barba aos tais quinze barbeiros; ora “o progresso exige conhecimento” e eu, francamente, não tenho interesse nenhum em tomar conhecimento com o “ segredo que está debaixo da capa”!
  Eu, é certo, já “estou protegido por um escudo invisível”, (o interruptor) contra os malfadados anúncios do Lumiar; contudo, se eu comprei um aparelho com “o melhor som e a melhor imagem”, não foi “grátis com facas de sobremesa”; tenho “a sede que se deseja” de “mesmo no escuro” poder um dia assistir a um programa sem publicidade.
  Não poderei um dia convidar uma vizinha e dizer-lhe: “vais ter uma surpresa”, anda assistir a um programa branco de anúncios? Não! E não, porque “essa brancura, vizinha”, é tão etérea como “o gás que está onde tu estás”.
  Protesto contra os anúncios! Não é nada…numa destas últimas terças-feiras no programa “Sétima Arte”, antes da fita (já velhota, coitadita!) começar, foram 16 anúncios; no primeiro intervalo, 14; no segundo intervalo, 13 e no final, até à “Meditação”, mais 12! Bolas para tanto anúncio!
  “Envelhecido pelos anos”, não por “superstição, isso era dantes”, mas porque agora já vão sabendo bem umas pantufas “leves, quentes e macias”, porque as “pessoas saudáveis sentem-se bem com a sua pele”, dispõe-se uma pessoa a saborear um bom programa de televisão, após um jantar leve e digestivo, porque “o peru é para o Natal”, e eis que lhe sai “a maior taluda de todos os tempos”; mesmo sem ter que dar “duas recargas vazias”; “num só esguicho e pronto”, antes do Telejornal e depois do “manda-chuva” , chovem os anúncios que são a nova “fibra de eterna juventude” para a Tesouraria da R.T.P.
  “É chique a valer”, “para as pessoas de bom gosto”, correr a comprar quantos detergentes, pomadas, perfumes, dentífricos, bilhas de gás, fibras, esquentadores, talheres, espumantes, sanitas, esfregões, tintas, sabonetes, totobolas, eu sei lá! O pequeno écran nos despeja todas as noites a poucos palmos da carpete.
  Contudo, como “uma chama viva onde quer que viva”, vive em mim latente a forte determinação, tão certa “como nove em cada dez estrelas”, de “não ir atrás do choro”.
  Ah! “Quem acerta no treze tem a fortuna em sua casa”, mas cuidado! Não compre televisão, senão…já sabe: ANÚNCIOS E MAIS ANÚNCIOS! Anúncios que “trituram, espremem, batem, liquidificam” e SATURAM!!!
  Ah! Não vir aí um “cheirinho a primavera” que nos faça “parar, olhar e escutar” para a “sensacional oferta”, como “chave do problema” da malfadada publicidade. Essa publicidade “sempre certa da sua beleza”, ela “quer lá saber?”; é uma “água quente para toda a gente” que nos aquece o juízo e nos dá uma lavagem ao cérebro, com tantos detergentes, sabonetes, esfregões, etc., etc.,… e não protesto mais “porque estou rouco!”
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