O
MAIOR PORTUGUÊS ?! (7)
Ah,
finalmente! Dirão os leitores que têm seguido estes artigos sobre
Salazar. A verdade é que, para além da preguiça, este último
artigo já foi feito por duas vezes e o estupor do computador apagou.
A culpa deve ter sido minha, pois nunca me entendi com estas
maquinetas e não é agora, aos setenta e sete anos, que vou
conseguir. Veremos o que vai acontecer com este.
“Ah,
finalmente!” Assim exclama o fugitivo político Angelloti ao entrar
na Capela Attavanti na ópera “Tosca” de Puccini.
Lembrei-me
desta introdução ao ouvir pela enésima vez aquela ópera e por
encontrar uma relação com os presos políticos do Estado Novo Onde
há ditaduras, obviamente que tem de haver presos políticos.
Não
porque Salazar tenha tido qualquer semelhança com o barão
“Scarpia”, a sinistra e sádica figura daquela ópera. Ambos
foram ditadores, mas Salazar exerceu o poder totalitário com mão
muito mais branda do que os grandes ditadores, sem eles reais ou de
ficção.
Como
referi no primeiro número deste artigo, só concordo em parte com a
afirmação do professor Hermano Saraiva que Salazar foi um “santo”.
Concluindo: foi um ditador à portuguesa, impregnado dos brandos
costumes do povo a que pertenceu. Mas, como em tudo, também há
excepções. Nas duas primeiras décadas do século passado, este
povo de “brandos costumes” assassinou um rei, um príncipe e um
presidente da república. Não contente com isto inventou a
tristemente célebre “camioneta fantasma” que na madrugada de 20
de Outubro de 1921, foi às casas de importantes representantes da
República, levando-os para o Arsenal da Marinha onde foram todos
fuzilados. Ninguém apareceu a reivindicar talacto que ficou
conhecido como “A Noite Sangrenta de 1921”! Foi o momento
culminante da desonra e da desordem a que Portugal chegou na Primeira
República!
Voltemos
agora a Salazar, “o homem que surgiu na altura certa para salvar
Portugal”, como aprendíamos na instrução primária.
Abaixo
de Deus, Salazar amou Portugal como poucos e considerou sempre o
Estado com exemplo de honestidade a seguir. Ser-se funcionário
público era ter emprego para toda vida e assistência na doença e
na velhice. Por outro lado tinha algumas restrições como a
proibição de entrar em salas de jogo, mesmo legalizadas, e pagar
multas a dobrar por qualquer infração que cometesse. Salazar foi
sempre o primeiro a dar o exemplo e até consta que tinha guardado
dinheiro num envelope destinado ao seu funeral caso o Estado não
quisesse pagar. Até Mário Soares declarou que, apesar de ser seu
inimigo, reconhecia que Salazar nem um tostão do erário público
desviou.
Mas,
recuemos muitos anos até Maio de 1958.
O
mandato do presidente da república terminara (nessa época os
mandatos presidenciais duravam sete anos) e o País ia ser chamado a
eleições. Como o presidente cessante general Craveiro Lopes se
recusara a segundo mandato, segundo constava por divergências com
Salazar, surgiram três candidatos: o general Humberto Delgado, o
almirante Américo Tomás e o advogado Dr. Arlindo Vicente.
A
campanha eleitoral teria decorrido normalmente como as regras do
regime exigiam, se não tivesse ocorrido uma grande bronca; ao ser
instado sobre o que faria de Salazar se fosse eleito, Humberto
Delgado declarou simplesmente: “demito-o, obviamente”. (é por
esta ordem que as palavras foram proferidas, e não ao contrário, como se diz).
Tal
desplante lançou fogo ao País, farto de trinta anos de “boca
fechada”. É óbvio que surgiram logo as manifestações de repúdio
e os jornais, controlados pela censura faziam eco de tamanha
“heresia”. Mas, a realidade era outra. Onde quer que Delgado
fosse, as multidões acorriam a apoiá-lo. E vem a talhe de foice um
episódio que se passou perto de mim que nessa altura tinha quinze
anos.
Eu
ia num autocarro de dois andares pela Av. Da República em direcção
à Praça Duque de Saldanha, devendo sair algumas paragens antes da
referida praça, para ir a casa da minha avó paterna. Foi quando me
apercebi que algo de anormal se passava mais adiante que resolvi
continuar no autocarro. Passado pouco tempo ouviram-se o que parecia
ser tiros no meio de grande algazarra. De súbito algo bateu com
força em qualquer parte do autocarro. O motorista deteve-o e eu e os
outros passageiros aproveitámos para desatar a fugir. Mas, curioso
como sou, parei na primeira esquina para ver o que se passava.
Divertido
na ingenuidade dos meus quinze anos, vi uma multidão que fugia
diante de uma carga da GNR a cavalo. Alguns, mais afoitos,
aproveitavam-se dos milhares de paralelepípedos que abundavam no
chão devido às obras do metropolitano, e atirava-os às forças da
ordem. Mas, afinal o que se passava? A resposta é simples: havia uma
sessão de propaganda presidida por Humberto Delgado no liceu de
Camões, que ainda hoje não sei se chegou a começar.
Tais
desacatos abanaram a solidez do regime, o que fez com que Salazar
aparecesse na televisão, inaugurada um ano antes. São suas estas
palavras:”... mas quero afirmar com a fria serenidade habitual, que
se deve restabelecer e rapidamente o ambiente de calma essencial à
vida colectiva, quero dizer que o faremos em todas as circunstâncias
e pelo emprego de todos meios ao dispor da autoridade”.
Como
se sabe o vencedor foi o almirante Américo Tomás, após uma
contagem fraudulenta dos votos. Porém Salazar não era parvo e
concedeu à “chamada oposição” cerca de um quarto dos votos.
Basta ver que em tempos ainda recentes, Sadam Hussein e Kadafi
ganhavam com os noventa e nove por cento que o povo tinha de engolir.
Depois
deste acontecimento o País regressou à normalidade, excepto para
cerca de mil e quinhentos cidadãos que foram detidos pela PIDE.
Também o bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, que escrevera
uma carta a Salazar protestando contra a viciação dos resultados
eleitorais, foi obrigado a exilar-se, bem como o general Humberto
Delgado que, entretanto, fora expulso das Forças Armadas. Mas, o
pior estava por vir para Salazar e o regime, o terrível ano de 1961.
Logo
a quatro de Fevereiro, começa a revolta em Angola com o massacre de
brancos e de alguns pretos por métodos tão cruéis que que não
vale a pena mencionar. Hoje, esse dia é comemorado como o dia
nacional de Angola.
Em
Abril o general Botelho Moniz tenta um golpe de estado para derrubar
Salazar. Por falta de uma boa organização o golpe falha e Salazar
assume cumulativamente a pasta da defesa.
No
dia um de Agosto, o Daomé (hoje Benim) que ascendera à
independência, ocupa o Forte de São João Batista de Ajudá,
pequeno reduto do Império Português, ocupado apenas por dois
funcionários portugueses. Salazar ordena a sua retirada após
incendiarem o forte.
Finalmente
em Dezembro, a União Indiana ocupa o Estado Português da Índia.
Salazar ordena ao governador, general Vassalo e Silva, que resista
até ao último homem. Pretendia, assim, arranjar cerca de três mil
mártires para mostrar ao mundo as razões de Portugal. Mas, o
general rende-se perante a impossibilidade de qualquer tipo de
resistência e é expulso do exército, sendo apenas readmitido após
o 25 de Abril. Este episódio fez-me recordar uma piada que me
esqueci de colocar nas “Anedotas Políticas Portuguesas da época
de Salazar”. Como sempre o “portuga” tinha de arranjar um
trocadilho, tendo o general passado a ser conhecido por “Vacila e
Salva-te”.
Depois
destes acontecimentos, a teimosia de Salazar em lutar contra os
ventos da História, muitas vezes com razão para tentar salvar
Portugal da praga do comunismo que se espalhava pelo mundo no
pós-guerra, levou-o ao lema do “orgulhosamente sós. Até o
Brasil, a velha aliada Inglaterra e os Estados Unidos, fizeram
orelhas moucas aos seus protestos. Apenas a África do Sul e a antiga
Rodésia (hoje Zimbabué) estavam do nosso lado porque Angola e
Moçambique eram uma espécie de tampão a incursões terroristas.
Salazar
foi cruel com uns poucos comunistas e outros dissidentes que acabaram
por morrer no Tarrafal. Já Mário Soares foi de “férias” para
S. Tomé.
Foi
hipócrita quando afirmou a sua satisfação ao “ver esta juventude
que parte sem um queixume para as distantes terras africanas para
afirmar que eram parte da Nação Portuguesa”. Eu que por lá
andei, sei com que vontade partia essa tal juventude.
Foi
impiedoso com esse grande português que foi Aristides de Sousa
Mendes, cônsul de Portugal em Bordéus, deixando-o morrer quase na
miséria. Mas, aqui há que ver a realidade dos factos.
Tinha
começado a Segunda Guerra Mundial e a preocupação de Salazar foi
manter a neutralidade e salvaguardar a independência Nacional, como
já referi num doa artigos anteriores.
Dois
anos antes, portanto em 1937, Salazar publicou vários textos em que
considerava lamentável que o nacionalismo alemão estivesse
fundamentado em diferenças raciais. Também no ano seguinte mostrou
a sua preocupação pelos judeus portugueses, dando orientações ao
nosso embaixador na Alemanha para que os defendesse com diplomacia,
mas com firmeza. Simultaneamente o cardeal Cerejeira criticou o
regime hitleriano por se basear na diferença de raças. Será isto o
fascismo de Salazar? Mas, adiante. Perante o afluxo de milhares de
pessoas que fugiam da fúria nazi que já ocupara metade da França,
e a descoberta pela Polícia de Vigilância e Defesa do Estado
(antecessora da PIDE) de passaportes falsificados, Salazar emite a
“circular 14” que autorizava os cônsules a passar vistos para
Portugal desde que os requerentes tivessem bilhete de saída e visto
de entrada noutro país. Esta determinação parece muito desumana
mas era muito menos restritiva do que as leis feitas no mesmo sentido
pelos Estados Unidos e Canadá, ou pela Inglaterra que fechou
simplesmente todas as portas a estrangeiros. Além disto, sendo
Portugal um país pobre, não poderia acolher dezenas de milhar de
refugiados.
Mas,
sob o dogma de “obedecer à lei de Deus e não à dos homens”,
Sousa Mendes deu apenas ouvidos aos seus sentimentos e desatou a
passar milhares de vistos indiscriminadamente tendo chegado, até, a
falsificar passaportes.
Após
ter tomado conhecimento do que se passava, o Ministério dos Negócios
Estrangeiros emitiu uma nota de culpa em que, entre outras acusações
constavam as de desobediência e falsificação de documentos.
Podemos não dar grande relevo à desobediência mas, a verdade é
que na situação de guerra em que se vivia, o comportamento de
Aristides de Sousa Mendes, pôs em perigo a neutralidade portuguesa
com a consequente anexação de Portugal pela Espanha. A quem se
interesse pela vida e acção do cônsul português, recomendo a
leitura na “Wikipedia” o artigo dedicado a Aristides de Sousa
Mendes.
E
fico por aqui. Por tudo o que fez por Portugal, que só a sua
teimosia (ou amor por um Portugal uno e indivisível) em manter uma
guerra em parte apagou a sua obra, Salazar deve ser considerado como
um dos MAIORES PORTUGUESES e um dos maiores estadistas do século XX.
O mesmo já não direi do seu sucessor, Marcello Caetano, o “cínico”.
Mas isso fica para depois.
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