07/05/2020


O MAIOR PORTUGUÊS ?! (7)


Ah, finalmente! Dirão os leitores que têm seguido estes artigos sobre Salazar. A verdade é que, para além da preguiça, este último artigo já foi feito por duas vezes e o estupor do computador apagou. A culpa deve ter sido minha, pois nunca me entendi com estas maquinetas e não é agora, aos setenta e sete anos, que vou conseguir. Veremos o que vai acontecer com este.
Ah, finalmente!” Assim exclama o fugitivo político Angelloti ao entrar na Capela Attavanti na ópera “Tosca” de Puccini.
Lembrei-me desta introdução ao ouvir pela enésima vez aquela ópera e por encontrar uma relação com os presos políticos do Estado Novo Onde há ditaduras, obviamente que tem de haver presos políticos.
Não porque Salazar tenha tido qualquer semelhança com o barão “Scarpia”, a sinistra e sádica figura daquela ópera. Ambos foram ditadores, mas Salazar exerceu o poder totalitário com mão muito mais branda do que os grandes ditadores, sem eles reais ou de ficção.
Como referi no primeiro número deste artigo, só concordo em parte com a afirmação do professor Hermano Saraiva que Salazar foi um “santo”. Concluindo: foi um ditador à portuguesa, impregnado dos brandos costumes do povo a que pertenceu. Mas, como em tudo, também há excepções. Nas duas primeiras décadas do século passado, este povo de “brandos costumes” assassinou um rei, um príncipe e um presidente da república. Não contente com isto inventou a tristemente célebre “camioneta fantasma” que na madrugada de 20 de Outubro de 1921, foi às casas de importantes representantes da República, levando-os para o Arsenal da Marinha onde foram todos fuzilados. Ninguém apareceu a reivindicar talacto que ficou conhecido como “A Noite Sangrenta de 1921”! Foi o momento culminante da desonra e da desordem a que Portugal chegou na Primeira República!
Voltemos agora a Salazar, “o homem que surgiu na altura certa para salvar Portugal”, como aprendíamos na instrução primária.
Abaixo de Deus, Salazar amou Portugal como poucos e considerou sempre o Estado com exemplo de honestidade a seguir. Ser-se funcionário público era ter emprego para toda vida e assistência na doença e na velhice. Por outro lado tinha algumas restrições como a proibição de entrar em salas de jogo, mesmo legalizadas, e pagar multas a dobrar por qualquer infração que cometesse. Salazar foi sempre o primeiro a dar o exemplo e até consta que tinha guardado dinheiro num envelope destinado ao seu funeral caso o Estado não quisesse pagar. Até Mário Soares declarou que, apesar de ser seu inimigo, reconhecia que Salazar nem um tostão do erário público desviou.
Mas, recuemos muitos anos até Maio de 1958.
O mandato do presidente da república terminara (nessa época os mandatos presidenciais duravam sete anos) e o País ia ser chamado a eleições. Como o presidente cessante general Craveiro Lopes se recusara a segundo mandato, segundo constava por divergências com Salazar, surgiram três candidatos: o general Humberto Delgado, o almirante Américo Tomás e o advogado Dr. Arlindo Vicente.
A campanha eleitoral teria decorrido normalmente como as regras do regime exigiam, se não tivesse ocorrido uma grande bronca; ao ser instado sobre o que faria de Salazar se fosse eleito, Humberto Delgado declarou simplesmente: “demito-o, obviamente”. (é por esta ordem que as palavras foram proferidas, e não ao contrário, como se diz).
Tal desplante lançou fogo ao País, farto de trinta anos de “boca fechada”. É óbvio que surgiram logo as manifestações de repúdio e os jornais, controlados pela censura faziam eco de tamanha “heresia”. Mas, a realidade era outra. Onde quer que Delgado fosse, as multidões acorriam a apoiá-lo. E vem a talhe de foice um episódio que se passou perto de mim que nessa altura tinha quinze anos.
Eu ia num autocarro de dois andares pela Av. Da República em direcção à Praça Duque de Saldanha, devendo sair algumas paragens antes da referida praça, para ir a casa da minha avó paterna. Foi quando me apercebi que algo de anormal se passava mais adiante que resolvi continuar no autocarro. Passado pouco tempo ouviram-se o que parecia ser tiros no meio de grande algazarra. De súbito algo bateu com força em qualquer parte do autocarro. O motorista deteve-o e eu e os outros passageiros aproveitámos para desatar a fugir. Mas, curioso como sou, parei na primeira esquina para ver o que se passava.
Divertido na ingenuidade dos meus quinze anos, vi uma multidão que fugia diante de uma carga da GNR a cavalo. Alguns, mais afoitos, aproveitavam-se dos milhares de paralelepípedos que abundavam no chão devido às obras do metropolitano, e atirava-os às forças da ordem. Mas, afinal o que se passava? A resposta é simples: havia uma sessão de propaganda presidida por Humberto Delgado no liceu de Camões, que ainda hoje não sei se chegou a começar.
Tais desacatos abanaram a solidez do regime, o que fez com que Salazar aparecesse na televisão, inaugurada um ano antes. São suas estas palavras:”... mas quero afirmar com a fria serenidade habitual, que se deve restabelecer e rapidamente o ambiente de calma essencial à vida colectiva, quero dizer que o faremos em todas as circunstâncias e pelo emprego de todos meios ao dispor da autoridade”.
Como se sabe o vencedor foi o almirante Américo Tomás, após uma contagem fraudulenta dos votos. Porém Salazar não era parvo e concedeu à “chamada oposição” cerca de um quarto dos votos. Basta ver que em tempos ainda recentes, Sadam Hussein e Kadafi ganhavam com os noventa e nove por cento que o povo tinha de engolir.
Depois deste acontecimento o País regressou à normalidade, excepto para cerca de mil e quinhentos cidadãos que foram detidos pela PIDE. Também o bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, que escrevera uma carta a Salazar protestando contra a viciação dos resultados eleitorais, foi obrigado a exilar-se, bem como o general Humberto Delgado que, entretanto, fora expulso das Forças Armadas. Mas, o pior estava por vir para Salazar e o regime, o terrível ano de 1961.
Logo a quatro de Fevereiro, começa a revolta em Angola com o massacre de brancos e de alguns pretos por métodos tão cruéis que que não vale a pena mencionar. Hoje, esse dia é comemorado como o dia nacional de Angola.
Em Abril o general Botelho Moniz tenta um golpe de estado para derrubar Salazar. Por falta de uma boa organização o golpe falha e Salazar assume cumulativamente a pasta da defesa.
No dia um de Agosto, o Daomé (hoje Benim) que ascendera à independência, ocupa o Forte de São João Batista de Ajudá, pequeno reduto do Império Português, ocupado apenas por dois funcionários portugueses. Salazar ordena a sua retirada após incendiarem o forte.
Finalmente em Dezembro, a União Indiana ocupa o Estado Português da Índia. Salazar ordena ao governador, general Vassalo e Silva, que resista até ao último homem. Pretendia, assim, arranjar cerca de três mil mártires para mostrar ao mundo as razões de Portugal. Mas, o general rende-se perante a impossibilidade de qualquer tipo de resistência e é expulso do exército, sendo apenas readmitido após o 25 de Abril. Este episódio fez-me recordar uma piada que me esqueci de colocar nas “Anedotas Políticas Portuguesas da época de Salazar”. Como sempre o “portuga” tinha de arranjar um trocadilho, tendo o general passado a ser conhecido por “Vacila e Salva-te”.
Depois destes acontecimentos, a teimosia de Salazar em lutar contra os ventos da História, muitas vezes com razão para tentar salvar Portugal da praga do comunismo que se espalhava pelo mundo no pós-guerra, levou-o ao lema do “orgulhosamente sós. Até o Brasil, a velha aliada Inglaterra e os Estados Unidos, fizeram orelhas moucas aos seus protestos. Apenas a África do Sul e a antiga Rodésia (hoje Zimbabué) estavam do nosso lado porque Angola e Moçambique eram uma espécie de tampão a incursões terroristas.
Salazar foi cruel com uns poucos comunistas e outros dissidentes que acabaram por morrer no Tarrafal. Já Mário Soares foi de “férias” para S. Tomé.
Foi hipócrita quando afirmou a sua satisfação ao “ver esta juventude que parte sem um queixume para as distantes terras africanas para afirmar que eram parte da Nação Portuguesa”. Eu que por lá andei, sei com que vontade partia essa tal juventude.
Foi impiedoso com esse grande português que foi Aristides de Sousa Mendes, cônsul de Portugal em Bordéus, deixando-o morrer quase na miséria. Mas, aqui há que ver a realidade dos factos.
Tinha começado a Segunda Guerra Mundial e a preocupação de Salazar foi manter a neutralidade e salvaguardar a independência Nacional, como já referi num doa artigos anteriores.
Dois anos antes, portanto em 1937, Salazar publicou vários textos em que considerava lamentável que o nacionalismo alemão estivesse fundamentado em diferenças raciais. Também no ano seguinte mostrou a sua preocupação pelos judeus portugueses, dando orientações ao nosso embaixador na Alemanha para que os defendesse com diplomacia, mas com firmeza. Simultaneamente o cardeal Cerejeira criticou o regime hitleriano por se basear na diferença de raças. Será isto o fascismo de Salazar? Mas, adiante. Perante o afluxo de milhares de pessoas que fugiam da fúria nazi que já ocupara metade da França, e a descoberta pela Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (antecessora da PIDE) de passaportes falsificados, Salazar emite a “circular 14” que autorizava os cônsules a passar vistos para Portugal desde que os requerentes tivessem bilhete de saída e visto de entrada noutro país. Esta determinação parece muito desumana mas era muito menos restritiva do que as leis feitas no mesmo sentido pelos Estados Unidos e Canadá, ou pela Inglaterra que fechou simplesmente todas as portas a estrangeiros. Além disto, sendo Portugal um país pobre, não poderia acolher dezenas de milhar de refugiados.
Mas, sob o dogma de “obedecer à lei de Deus e não à dos homens”, Sousa Mendes deu apenas ouvidos aos seus sentimentos e desatou a passar milhares de vistos indiscriminadamente tendo chegado, até, a falsificar passaportes.
Após ter tomado conhecimento do que se passava, o Ministério dos Negócios Estrangeiros emitiu uma nota de culpa em que, entre outras acusações constavam as de desobediência e falsificação de documentos. Podemos não dar grande relevo à desobediência mas, a verdade é que na situação de guerra em que se vivia, o comportamento de Aristides de Sousa Mendes, pôs em perigo a neutralidade portuguesa com a consequente anexação de Portugal pela Espanha. A quem se interesse pela vida e acção do cônsul português, recomendo a leitura na “Wikipedia” o artigo dedicado a Aristides de Sousa Mendes.
E fico por aqui. Por tudo o que fez por Portugal, que só a sua teimosia (ou amor por um Portugal uno e indivisível) em manter uma guerra em parte apagou a sua obra, Salazar deve ser considerado como um dos MAIORES PORTUGUESES e um dos maiores estadistas do século XX. O mesmo já não direi do seu sucessor, Marcello Caetano, o “cínico”. Mas isso fica para depois.

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