25/09/2014

SE EU TIVESSE NASCIDO PRÍNCIPE

Agora que a conceituada e isentíssima imprensa (também chamada os media), sempre preocupada em noticiar os acontecimentos “importantes” em grandes parangonas, e relegar para terceiro plano factos relacionados com pessoas verdadeiramente dignas de primeira página dei por mim, mais uma vez mergulhado (antes de conseguir adormecer) nas minhas meditações transcendentais, a pensar no que faria se tivesse nascido príncipe.   
Para tornar as coisas mais folclóricas, escolhi para berço, entre as poucas coroas que já restam no planeta, a inglesa. Razões?
Primeiro, por ter sido proprietária do maior império que existiu.
Segundo, por ter tido uma rainha, uma tal Vitória, também imperatriz da Índia, que reinou (mas não governou) sobre todas as suas “quintas” durante sessenta e quatro anos, durante os quais a hipocrisia humana atingiu alguns dos seus múltiplos paroxismos.
Terceiro, porque os “escândalos” que começaram com o pedido da mão (e não só) da Margarida, irmã da Isabel Nº 2, por um “reles” fotógrafo. Para poder penetrar, com rígida nobreza a principesca vagina, foi primeiro promovido a lorde, não se sabendo se as partes “fodengas” foram examinadas por peritos e preparadas para tão colossal como principesco efeito.
Quarto, porque tive notícia que ia nascer mais um bebé real, acontecimento a que já me referi no último artigo.
Quinto, e último, pela embirração biológica que tenho por quase tudo o que é inglês. Não há nada a fazer! São feitios, como dizia o nosso grande e saudoso Raul Solnado.

Divertido, comecei a idealizar o momento em que o espermatozóide de raça real, penetrou o óvulo irrigado de sangue azul da receptora, enquanto os amantes extasiados suspiravam fazendo o menor ruído possível. Receavam que ouvidos indiscretos captassem qualquer som, envergonhados como estavam depois de terem dançado um frenético e ruidoso minuete. Se alguém tivesse dado por tal, não haveria mais nenhuma notícia que coubesse na imprensa, nem que fosse para anunciar o fim do mundo.
Finalmente, depois do embrião se ter desenvolvido naquele útero forrado de seda cravejada de pedras preciosas, chegou o tão ansiado dia da parição.
Fora do palácio, onde o grande e raro acontecimento ia acontecer, uma multidão de imbecis e jornalistas, tinha acampado olhando para as janelas, como se esperassem a vinda de outro Cristo que, mesmo que o fosse, não resolveria nada dos problemas do mundo, tal como o primeiro.
É um macho, é um macho, começou a berrar a multidão ao saber que a nova cria tinha algumas excrescências entre as pernas. Vai ser o próximo rei, porque as mulheres só servem para rainhas quando não há um “piludo” para o efeito, e nós os seus súbditos dedicados e obedientes. E tudo isto 'graças a Deus'; como ele é grande!

Divertido com estes pensamentos, dei comigo a imaginar como seria a minha educação, necessariamente diferente dos outros humanos, já que pertencia a uma raça rara e em vias de extinção. Mas, como todas as crianças, a curiosidade impunha-se às palhaçadas que me obrigavam a fazer (protocolos, chamavam-lhes os meus tutores) e dei por mim, num misto de vergonha e chacota, a ver um filme sobre aquilo a que chamavam 'a coroação da minha mãe'.
Sem ofensa aos palhaços, profissão que muito admiro porque é muito mais fácil fazer chorar do que rir, interroguei-me como era possível uma pessoa sujeitar-se a fazer semelhante figura.
Sentada num cadeirão a que chamam trono, com uma espécie de turbante cravejado de pedras cintilantes, um pau na mão (chamam-lhe ceptro) e uma capa com uma cauda de muitos metros de comprimento.
Com ar aparvalhado, esteve ali sentada durante horas, rodeada por uma multidão, também mascarada, ouvindo os inúteis e hipócritas discursos que alguns vomitavam em adulações e elogios capazes de fazer perder a paciência ao Diabo.
Depois entrou para um coche, puxado por cavalos bem ajaezados e conduzido por criados de libré. Cá fora a populaça, que tanto aplaude um Robespierre, um Hitler ou um Estaline, comprimia-se em delírio, em êxtases, em transe (talvez até com orgasmos) para ver a sua nova proprietária, classificada de 'sua majestade', termo que ainda hoje é usado pela nossa imprensa, sempre subserviente a tudo o que é inglês.
Dentro do coche, a nova dona dos Ingleses, Escoceses e Galeses, mantinha a mão direita levantada, como mandava o protocolo, num gesto de gratidão aos seus súbditos que nem sequer tinham votado para que ocupasse aquele cargo.
(Quando o meu delírio chegou a este ponto recordei o facto de a ter visto em Lisboa quando tinha catorze anos. Para pormenores remeto o leitor para o artigo “O Disparatado Planeta das Falsas Celebridades”, publicado em 23 de Maio de 2011).

Findo isto, resolvi pensar no que faria se tivesse nascido príncipe, herdeiro ou não.
Primeiro teria de cumprir o protocolo, com vista a aumentar, ao máximo possível, os rendimentos que me caberiam por ser tão estudioso e disciplinado. Depois, e isso seria o principal, tornar-me o mais hipócrita possível, tanto nos actos como nas palavras. É uma norma banal felicitar todos os sabujos que, mesmo fazendo figas, aplaudem os seus donos (excepto os cães quando abanam a cauda).
Assistir a recepções, mascarado com uma farda ornamentada de condecorações herdadas de um antepassado qualquer que, por sua vez, as tinha herdado de outro. Viajar tanto pelo país como pelo estrangeiro, sempre com o sorriso protocolar e a mão a acenar à populaça contente de ter nascido só para me ver. “Comer” com os olhos as belas sonhadoras que adorariam que fosse eu o seu príncipe encantado, mesmo que fosse vesgo ou capado. Admirar os vestidos espampanantes e os rostos retocados das muitas senhoras que não aceitam o natural envelhecimento, mesmo que a pele e as mamas tenham sofrido várias operações 'ditas estéticas' (porque será que me lembrei da vila de Caneças?) e já estavam próximas do umbigo.
Enfim: todo um manancial de chatices das quais viria, no futuro, a procurar uma indemnização paga pela cretinice humana.
Para isso teria juntado muitos milhões nos chamados paraísos fiscais, e assim que achasse conveniente, pisgar-me-ia para uma ilha distante, gritando bem alto: "obrigado meu povo, pelas vossas contribuições e impostos. Agora arranjem outro ou governem-se sozinhos!"

Nota: qualquer comentário a este artigo escrito segundo o chamado novo acordo ortográfico, será considerado como tendo erros grosseiros e, como tal, corrigido.




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