Para tornar as coisas mais folclóricas,
escolhi para berço, entre as poucas coroas que já restam no planeta, a inglesa.
Razões?
Primeiro, por ter sido proprietária do
maior império que existiu.
Segundo, por ter tido uma rainha, uma
tal Vitória, também imperatriz da Índia, que reinou (mas não governou) sobre todas
as suas “quintas” durante sessenta e quatro anos, durante os quais a hipocrisia
humana atingiu alguns dos seus múltiplos paroxismos.
Terceiro, porque os “escândalos” que
começaram com o pedido da mão (e não só) da Margarida, irmã da Isabel Nº 2, por
um “reles” fotógrafo. Para poder penetrar, com rígida nobreza a principesca
vagina, foi primeiro promovido a lorde, não se sabendo se as partes “fodengas”
foram examinadas por peritos e preparadas para tão colossal como principesco
efeito.
Quarto, porque tive notícia que ia
nascer mais um bebé real, acontecimento a que já me referi no último artigo.
Quinto, e último, pela embirração biológica
que tenho por quase tudo o que é inglês. Não há nada a fazer! São feitios, como
dizia o nosso grande e saudoso Raul Solnado.
Divertido, comecei a idealizar o momento
em que o espermatozóide de raça real, penetrou o óvulo irrigado de sangue azul
da receptora, enquanto os amantes extasiados suspiravam fazendo o menor ruído
possível. Receavam que ouvidos indiscretos captassem qualquer som,
envergonhados como estavam depois de terem dançado um frenético e ruidoso minuete.
Se alguém tivesse dado por tal, não haveria mais nenhuma notícia que coubesse
na imprensa, nem que fosse para anunciar o fim do mundo.
Finalmente, depois do embrião se ter
desenvolvido naquele útero forrado de seda cravejada de pedras preciosas,
chegou o tão ansiado dia da parição.
Fora do palácio, onde o grande e raro
acontecimento ia acontecer, uma multidão de imbecis e jornalistas, tinha
acampado olhando para as janelas, como se esperassem a vinda de outro Cristo
que, mesmo que o fosse, não resolveria nada dos problemas do mundo, tal como o
primeiro.
É um macho, é um macho, começou a berrar
a multidão ao saber que a nova cria tinha algumas excrescências entre as
pernas. Vai ser o próximo rei, porque as mulheres só servem para rainhas quando
não há um “piludo” para o efeito, e nós os seus súbditos dedicados e obedientes.
E tudo isto 'graças a Deus'; como ele é grande!
Divertido com estes pensamentos, dei comigo
a imaginar como seria a minha educação, necessariamente diferente dos outros
humanos, já que pertencia a uma raça rara e em vias de extinção. Mas, como
todas as crianças, a curiosidade impunha-se às palhaçadas que me obrigavam a
fazer (protocolos, chamavam-lhes os meus tutores) e dei por mim, num misto de
vergonha e chacota, a ver um filme sobre aquilo a que chamavam 'a coroação da
minha mãe'.
Sem ofensa aos palhaços, profissão que
muito admiro porque é muito mais fácil fazer chorar do que rir, interroguei-me como
era possível uma pessoa sujeitar-se a fazer semelhante figura.
Sentada num cadeirão a que chamam trono,
com uma espécie de turbante cravejado de pedras cintilantes, um pau na mão
(chamam-lhe ceptro) e uma capa com uma cauda de muitos metros de comprimento.
Com ar aparvalhado, esteve ali sentada
durante horas, rodeada por uma multidão, também mascarada, ouvindo os inúteis e
hipócritas discursos que alguns vomitavam em adulações e elogios capazes de
fazer perder a paciência ao Diabo.
Depois entrou para um coche, puxado por
cavalos bem ajaezados e conduzido por criados de libré. Cá fora a populaça, que
tanto aplaude um Robespierre, um Hitler ou um Estaline, comprimia-se em
delírio, em êxtases, em transe (talvez até com orgasmos) para ver a sua nova
proprietária, classificada de 'sua majestade', termo que ainda hoje é usado pela
nossa imprensa, sempre subserviente a tudo o que é inglês.
Dentro do coche, a nova dona dos
Ingleses, Escoceses e Galeses, mantinha a mão direita levantada, como mandava o
protocolo, num gesto de gratidão aos seus súbditos que nem sequer tinham votado
para que ocupasse aquele cargo.
(Quando o meu delírio chegou a este
ponto recordei o facto de a ter visto em Lisboa quando tinha catorze anos. Para
pormenores remeto o leitor para o artigo “O Disparatado Planeta das Falsas
Celebridades”, publicado em 23 de Maio de 2011).
Findo isto, resolvi pensar no que faria
se tivesse nascido príncipe, herdeiro ou não.
Primeiro teria de cumprir o protocolo,
com vista a aumentar, ao máximo possível, os rendimentos que me caberiam por
ser tão estudioso e disciplinado. Depois, e isso seria o principal, tornar-me o
mais hipócrita possível, tanto nos actos como nas palavras. É uma norma banal felicitar
todos os sabujos que, mesmo fazendo figas, aplaudem os seus donos (excepto os
cães quando abanam a cauda).
Assistir a recepções, mascarado com uma
farda ornamentada de condecorações herdadas de um antepassado qualquer que, por
sua vez, as tinha herdado de outro. Viajar tanto pelo país como pelo
estrangeiro, sempre com o sorriso protocolar e a mão a acenar à populaça
contente de ter nascido só para me ver. “Comer” com os olhos as belas sonhadoras
que adorariam que fosse eu o seu príncipe encantado, mesmo que fosse vesgo ou
capado. Admirar os vestidos espampanantes e os rostos retocados das muitas
senhoras que não aceitam o natural envelhecimento, mesmo que a pele e as mamas
tenham sofrido várias operações 'ditas estéticas' (porque será que me lembrei da
vila de Caneças?) e já estavam próximas do umbigo.
Enfim: todo um manancial de chatices das
quais viria, no futuro, a procurar uma indemnização paga pela cretinice humana.
Para isso teria juntado muitos milhões
nos chamados paraísos fiscais, e assim que achasse conveniente, pisgar-me-ia
para uma ilha distante, gritando bem alto: "obrigado meu povo, pelas vossas
contribuições e impostos. Agora arranjem outro ou governem-se sozinhos!"
Nota: qualquer comentário a este artigo
escrito segundo o chamado novo acordo ortográfico, será considerado como tendo
erros grosseiros e, como tal, corrigido.
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